Erosão costeira
[publicado no Diário de Aveiro, 22 de Abril de 2006]
Na praia brincamos com areia, inconscientes do seu permanente movimento.
A areia move-se incessantemente pela acção do mar e do vento através de mecanismos complexos, mas bem compreendidos. Na costa atlântica portuguesa predomina a deslocação de norte para sul. A areia move-se numa cadeia que não pode ser interrompida sob pena de graves problemas com o avanço das águas.
Pelo menos nos últimos três mil anos, o litoral português ganhou espaço em direcção ao oceano. Contudo, nas últimas décadas esta tendência inverteu-se, o que se deve em pequeno grau à subida do nível médio das águas do oceano e principalmente ao caos urbanístico e à intensa utilização da costa.
O recém noticiado Relatório do Estado do Ambiente em Portugal, relativo ao ano de 2004, colocou grande parte do distrito de Aveiro como os locais mais críticos em relação à erosão costeira. De todo o relatório, as zonas mais ameaçadas são o troço Espinho-Cortegaça (recuo de 3,2 metros), o troço Costa Nova-Vagueira (8,0) e a praia do Furadouro (9,0).
Em Portugal, a habitual resposta para a erosão costeira é a construção de pontões, estruturas perpendiculares à costa, a custos exorbitantes (a rondar os cinco milhões de euros por cada um destes montes de pedra de estética duvidosa). Todavia estas estruturas nada resolvem, apenas adiam o problema uns metros para sul com uma maior gravidade que o problema original. É o caso do pontão da praia da Aguda, construído supostamente para ser um pontão em forma de “L” descolado da costa. Em poucos dias ficou unido à costa, repercutindo os seus efeitos no troço Espinho-Cortegaça com o recuo registado.
Chegados a este estado o que fazer para o inverter? Construir mais pontões para ir adiando e amplificando a erosão para qualquer outro local? Destruir o já construído depois de gasto tamanha quantia? Geralmente, a resposta é ir construindo progressivamente um pontão de cada vez. O problema criado por uma estrutura justifica a construção da próxima, o exemplo é o pontão construído em Vilamoura que forçou a construção de muitos mais Quarteira fora. Neste particular o melhor a fazer é mesmo nada fazer.
Na Grã-Bretanha têm sido construídos pontões paralelos à costa que se assemelham a um traço descontínuo em que variam três factores consoante a especificidade do local: a distância à costa, a distância entre estruturas e o comprimento de cada estrutura. A construção destas estruturas, em alguns casos totalmente submersas para diminuir o impacto visual, obriga ao total conhecimento do hidrodinamismo do local e não bloqueia a circulação de areia, diminuindo os efeitos danosos. Melhor solução que a portuguesa.
Certamente a solução não passa pela contínua construção destas estruturas, ainda que no modelo britânico. Uma verdadeira e definitiva solução tem que passar pela origem do problema e não pela resposta e simultânea criação de novos problemas.
O fluxo de areia vê-se cada vez mais privado da sua essência. A extracção legal e ilegal de areias de rios e praias e as barragens reduz em muito a alimentação necessária à costa. Ciente da necessidade destas actividades, é necessário um maior planeamento e fiscalização. A destruição dos sistemas dunares e da sua vegetação pela construção legal e ilegal, pelo pisoteio e pelos parques de estacionamento improvisados no Verão impede a fixação de areias e logo a sua crescente depleção.
Incrível como no século XIII se fez mais e melhor contra a erosão costeira do que nos tempos actuais com a panóplia tecnológica existente. De facto o pinhal de Leiria foi uma solução bastante simples e eficaz para a fixação de areias.
Face à grave situação no distrito é inexplicável que se continue a insistir – como na recente entrevista do Presidente da Câmara de Ílhavo – na construção da Marina da Barra e do verdadeiro complexo imobiliário que a envolve, projecto já chumbado duas vezes pelo Ministério do Ambiente.
Um projecto imobiliário desta envergadura a ocupar uma parte considerável de um braço da Ria junto à entrada do mar terá severos efeitos na dinâmica do sedimento, agravando os problemas de erosão já existentes. E, caso se efectivasse a sua construção, justificar-se-ia com a sua própria presença para a construção de mais estruturas necessárias à sua protecção: o ciclo típico.
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