sábado, junho 24, 2006

Fora de jogo

[publicado no Diário de Aveiro, 23 de Junho de 2006]


Hordas de jornalistas percorrem a Alemanha. As luzes da ribalta iluminam os relvados. O cheiro a relva fresca invade as nossas salas. De fora das quatro linhas parece nada acontecer.

No meio dos programas da manhã, da tarde e de todo o dia, os noticiários televisivos transformam-se em apenas mais um momento de entretenimento que em nada difere dos restantes.

A bola apodera-se da antena. De um momento para o outro Timor eclipsou-se. Enquanto na Alemanha jornalistas se acotovelam para pedir um prognóstico a um adepto, o Presidente Xanana faz um ultimato ao Primeiro-Ministro Alkatiri: ou se demite ou me demito. A situação timorense continua obscura, porém é hora do pontapé de saída.

Anuncia-se a proposta de uma nova lei de financiamento autárquico. As Câmaras Municipais poderão decidir baixar o IRS dos seus munícipes em 3% ou reter até essa quantia. Mas nada se discute. Não há tempo. Estamos ocupados a percorrer os ecrãs gigantes do país, ao mesmo tempo que repórteres rebaptizam a bandeira de Portugal de “bandeira da selecção”.

Em 1998 Portugal comprou carcaças de caças F-16 abandonados num deserto dos Estados Unidos. Desde aí não saíram dos caixotes. Os seus pilotos, impedidos de voar, continuaram a ganhar subsídio de risco. Portugal ameaçou processar a Lockheed Martin que contratualmente já deveria ter dado o sopro de vida àquelas asas do desejo. Em 6 meses a ameaça nem se concretizou nem teve qualquer efeito. Agora, com o aperto das contas, os F-16 são para vender; como estes não voam, resta vender os da primeira esquadra, os únicos que voam. Todavia há que mostrar mais um treino.

Portugal é um país a crédito. O endividamento corresponde a 117% do rendimento disponível. Na zona euro apenas a Holanda apresenta um maior volume de crédito concedido a particulares em proporção ao PIB. As taxas de juro aumentam, mas deslindemos todas as incríveis estatísticas da história do mundial.

A RTP paga, por dia, 220 € a mais a cada enviado ao mundial. Quantia bem longe da disponibilizada pelas televisões privadas. Apesar de não transmitir um único jogo (não é esse o acontecimento?), a televisão pública não se cansa de terras germânicas. A sua exaustiva cobertura dá-nos a conhecer todos os pormenores sórdidos que rodeia o evento desde os portugueses que se deslocaram de bicicleta aos que se passeiam de caravana, não esquecendo o bigode mais original. É este o excelente serviço público que a nossa estação de televisão nos reservou?

Ao imobilismo de Portugal, que teima em permanecer na cauda, junta-se o frenesim que aguarda o júbilo que tudo resolverá. Os deputados alteraram o seu próprio horário de trabalho em dia de jogo. Benesse que a restante população não pode reclamar. Depois da gazeta da Páscoa nenhum deputado – nem mesmo do único partido sem qualquer falta nesse dia – quis arriscar uma sessão parlamentar vazia.

Horas de directos sem a mínima relevância, conteúdo, informação ou sequer novidade. Ausência de filtragem e edição regida por critérios jornalísticos. Continuará este modelo de informação a impor-se? Estará o jornalismo de investigação condenado a sucumbir face a estes conteúdos baratos e imediatos? De momento a discussão pública está em suspenso.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

gostas pouco gostas :-P

quarta-feira, junho 28, 2006 9:55:00 da tarde  
Blogger Nelson Peralta said...

Prefiro o futebol-vivido ao futebol-televisionado... tal como podes conferir pelos meus pedidos de jogadores/as ao teu lab!

Mas disso terás que ler noutra ocasião :p

quarta-feira, junho 28, 2006 11:13:00 da tarde  

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