O bikini da moda
[publicado no Diário de Aveiro, 16 de Junho de 2006]
Em Abril ouvimos o Governo, e principalmente o Ministro Vieira da Silva, louvar-se pela descida do desemprego em Portugal. Evocaram uma descida de 0,9% em relação a Fevereiro de 2006; e de 1,6% relativamente a Março de 2005, data do término do Governo PSD-CDS/PP.
Acontece que esta descida se deveu a uma nova instalação informática que cruza certos dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) com os da Segurança Social. Estes novos parâmetros levaram a que 7.772 pessoas desaparecessem da estatística como desempregados e, dessas, 7.065 passassem a configurar como empregados em busca de novo emprego. Os critérios foram alterados mas nunca referidos nos respectivos relatórios.
Não me compete a mim indicar qual o método mais eficaz e preciso para determinar o número real de desempregados, nem isso está em causa. Mas facilmente nos apercebemos – tal como o Ministro na altura – que esta descida é totalmente artificial, não correspondendo a nenhum acréscimo real no emprego.
Curiosamente este anúncio do falso decréscimo no desemprego ocorre ao mesmo tempo que é anunciada como muito próxima a ultrapassagem de Portugal a Espanha no que se refere à taxa de desemprego, facto que não ocorria desde os anos sessenta.
Pelo meio uma fonte do IEFP referiu à imprensa que estes dados terão sido manipulados com o objectivo de diminuir o número de desempregados e que reinava o mau estar no Instituto. Também na imprensa a saída da directora dos serviços de estudo do IEFP é retratada como uma “demissão mal explicada”. Ambos os casos foram refutados pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade Social.
A ânsia em descer a taxa enquanto número parece ser tanta que, periodicamente, os inscritos nos Centros de Emprego recebem uma carta sem aviso de recepção a intimá-los a responder no prazo de 10 dias, caso contrário serão removidos dos registos como desempregados.
Toda esta exaltação e felicidade contrastam com a inépcia do Governo na luta contra o desemprego. Promessa eleitoral há muito esquecida.
Continuamos a ter poderosas multinacionais que se instalam em Portugal usufruindo de desagravamentos de impostos directos e indirectos e que compram hectares de terreno a autarquias a preços ridículos. Multinacionais que, mal podem, saltam para outro país para usufruir de novos subsídios da União Europeia ou de mão-de-obra muitas vezes praticamente escravizada deixando centenas de desempregados. E não se pensem que os terrenos são devolvidos à autarquia. Se por vezes estas deslocalizações se devem a prejuízos acumulados, maioritariamente são casos de sucesso em termos de lucro e qualidade de fabrico. Porém pretendem aumentar desmesuradamente o lucro à custa de direitos sociais e, nalguns países, à custa de direitos humanos.
Em Portugal a insegurança laboral teima em persistir alimentando a precariedade, os baixos salários e o medo que leva à quase inexistência de despedimentos colectivos.
No meio de todo este cenário qual a medida de combate ao desemprego que mereceu uma maior aplicação, vigor e felicitação por parte do Governo? Hábeis alterações de números que disfarçam a realidade.
Que o Governo se congratule só me pode deixar ainda mais triste. O problema do desemprego é tratado como sendo um simples número, como se esses algarismos não escondessem emoções e sentimentos de pessoas de verdade. Prefere-se alterar a subtileza dos números que procurar resolver os problemas das pessoas reais.
Ao longo do meu estudo da matéria sempre fui ouvindo que a estatística é como o bikini, apenas mostra o que nós queremos. O Verão está a chegar. O discurso da tanga já lá vai. Parece que no Governo o bikini está na moda.
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