sábado, julho 15, 2006

O canto da sereia

[publicado no Diário de Aveiro, 14 de Julho de 2006]

1. Quem manda no país é a Quercus afirma o vice-presidente do CDS-PP, Sampaio Nunes, ao mesmo tempo que garante que o governo tem medo destes ambientalistas. Palavras proferidas enquanto defendia a implementação da energia nuclear em Portugal. De que sonho acordei?

Curiosamente a organização acusada, a Quercus, efectuou e disponibilizou um excelente levantamento de informação científica, económica e ambiental na sua tomada de posição pelo não ao nuclear.

Certamente Sampaio Nunes não vive no mesmo país que eu. Em Portugal as poucas vitórias de associações ambientalistas têm sido apenas conseguidas na barra dos tribunais por imperativos legais. Não tenho memória de que estas associações pela sua pressão tenham alterado um milímetro que seja a política governamental.

Quanto a mim, o mais grave das declarações é que elege a defesa do ambiente como o principal inimigo do desenvolvimento. Como se irremediavelmente tivéssemos sempre que optar entre ambiente ou desenvolvimento. Como se o bem-estar ambiental não fizesse parte do desenvolvimento.

Ao que parece, para Sampaio Nunes o desenvolvimento limita-se à componente económica. Mesmo se assim fosse, não será o turismo afectado pelo estado do ambiente? A falta de matéria-prima e os custos do seu tratamento derivados da deterioração ambiental não são contabilizados? E a agricultura? E os gastos na saúde com as doenças típicas de sociedades com elevada poluição?

Qualquer dia ainda ouço que o emprego e o bem-estar social são inimigos do desenvolvimento.

Felizmente ainda há políticos corajosos como Sampaio Nunes capazes de enfrentar os temíveis ambientalistas que tanto tem travado o desenvolvimento do país e que, segundo garante, até o Governo assustam.

2. Nesta quarta-feira decorreu o debate parlamentar do Estado da Nação. Sendo o anterior Primeiro-Ministro – Santana Lopes – deputado seria de esperar um interessante confronto de ideias. Porém Santana Lopes decidiu faltar ao importante debate alegando assuntos pessoais não especificados, não contrapondo assim a Governação PSD do próprio e de Durão Barroso à actual PS.

O mais incauto poderia pensar que não haveriam grandes diferenças no rumo estratégico para contrastar. Mas é exactamente isto que diagnostica Vasco Graça Moura num artigo no Diário de Notícias saído no mesmo dia.

O eurodeputado afirma que é o seu PSD que, pela sua actuação na oposição, “tem vindo a fornecer um conjunto de orientações políticas ao Governo”. Acrescenta ainda que se o PS na oposição discordava das acções do PSD no Governo, neste momento o Governo PS adopta o “caminho traçado e a[s] posições desenvolvidas por anteriores governos social-democratas”. Afirma tudo isto salvaguardando que o seu partido interviria noutras áreas em que o actual não se tem intrometido.

Se já nos havíamos habituado a esquecer as promessas eleitorais, este Governo foi mais além e votou o seu programa de governo a peça de museu de tão esquecido que está. Se foi eleito nos pressupostos desse programa agora apercebemo-nos que mantém a linha estratégica dos Governos PSD que o precederam. Executa o rumo derrotado nas urnas, e não precisa de ser alguém externo a garanti-lo, basta ler o eurodeputado social-democrata.