O Limbo
[publicado no Diário de Aveiro, 21 de Julho de 2006]
A Terra conhecida como Santa vive numa espécie de limbo permanente. Não estão nem em guerra nem em paz, ou por outro, estão em ambas as situações conforme as conveniências.
Recentemente foi o rapto de um soldado israelita em Gaza que despoletou uma forte ofensiva, matando inúmeros civis e destruindo a maior parte das infra-estruturas que permitiam um mínimo de qualidade de vida. Assim, Israel deixou dois milhões de palestinianos sem electricidade e com apenas duas horas de água diárias, tudo debaixo dos 40º C da região.
Se se denomina de “rapto” o sucedido ao soldado, trata-se de uma situação civil a ser resolvida pelos tribunais e forças competentes. Contudo, a ofensiva israelita denota uma intervenção militar. Ora tratando-se de um caso militar não se trata de rapto, mas sim de um prisioneiro de guerra capturado em território inimigo numa invasão ilegal.
Alguns dias mais tarde no Líbano, repetiram a proeza raptando mais dois soldados israelitas, certamente numa tentativa táctica de obrigar Israel a espalhar as forças e aliviar a situação em Gaza. Daí surgiu mais uma mega-ofensiva que para salvar os dois soldados já custou a vida a mais de 300 pessoas, principalmente civis e crianças. Do lado do Líbano, o Hezbollah têm atacado território israelita com o mesmo grau de sucesso: chacina de civis e crianças.
É uma autêntica guerra de surdos. Ambos os lados apenas parecem ficar satisfeitos com a extinção do outro.
A captura de soldados inimigos nesta parte do mundo não se trata propriamente de nenhuma novidade, e desta vez, como das anteriores, a intenção seria usar o soldado israelita como moeda de troca para libertar alguns dos milhares de palestinianos retidos nas prisões israelitas. Contudo, desta vez Israel anunciou que não faz trocas, apenas exigências. Basta olhar para o passado recente para nos apercebermos que Israel não só trocou prisioneiros por soldados seus, como libertou mesmo prisioneiros como forma de reaver cadáveres de soldados israelitas.
Interessa pois saber o que mudou para levar Israel a este comportamento extremista. Certamente estas ofensivas servem na perfeição a estratégia de hegemonia da única potência nuclear da região, que pela destruição imposta relega para alguns anos de atraso o desenvolvimento dos povos vizinhos. Tudo feito sob a complacência da comunidade internacional.
Se Israel foi uma invenção inglesa no final da segunda guerra mundial que forçou à retirada do território da população árabe, hoje Israel é uma realidade consubstanciada numa forte imigração do povo judeu desde os EUA até à Etiópia.
De facto para analisar esta questão é preciso ter uma perspectiva histórica dos acontecimentos. Originalmente, em 1947, as Nações Unidas aprovaram a criação de dois estados na região, a parte judaica com 55% do território e a árabe com os restantes 45%. Jerusalém seria uma região internacional administrada pela ONU. Porém, logo aí surgiu uma guerra civil, seguida de incontáveis outras envolvendo mais países. As guerras a somar a toda uma sequência de atrocidades levaram os israelitas a ganhar terreno e um maior controlo do rio Jordão, fulcral nesta zona árida, para além de serem os donos e senhores dos lugares sagrados para as três religiões monoteístas. Desde então Israel tem-se expandido e mantido a população palestiniana sob condições sub-humanas de existência.
George Orwell, no livro 1984, concebeu uma sociedade onde as palavras ganhavam novos significados para servir a ideologia do sistema totalitário. Dizemo-nos longe de um tal sistema hegemónico, porém podemos observar que na realidade também as palavras são manuseadas para servirem o nosso bloco civilizacional. Como notam vários autores, se o termo terrorista tinha uma definição objectiva, neste momento é completamente subjectiva.
Pegando num manual do exército estado-unidense encontramos terrorismo definido como sendo “o uso calculado da violência ou ameaça de violência para incutir medo, intimidar ou coagir governos e sociedades com objectivos políticos, religiosos ou ideológicos”. Esta definição pelo acto em si foi avidamente substituída por uma em que o principal critério é quem comete os actos.
É evidente que o recurso à violência e ao o assassínio massivo de civis se trata de terrorismo quer seja cometido por uma qualquer organização ou por um Estado.
A história não acaba por aqui. Ambos os lados prometem mais, mais violência. Aqui quando se promete mais é certo que a população fica com menos.
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