sábado, agosto 19, 2006

A chama dos dias

[publicado no Diário de Aveiro, 18 de Agosto de 2006]


Apesar da minha ausência do mundo nos últimos dias, sentia o que as notícias traziam. Encontrava-me na Serra da Peneda e a aragem deixava adivinhar as manchetes.

Antes de eliminar um problema é preciso compreender as suas origens. Qual a razão da fragilidade portuguesa face aos incêndios? Como é possível que no ano passado, a área ardida em Portugal, supere a soma das que arderam em Espanha, França e Itália?

O abandono da floresta agravou-se, contribuindo para uma menor vigilância e para um maior descuido das propriedades.

Em primeiro lugar as migrações do campo para a cidade em busca de melhores condições desertificaram o interior e as zonas rurais. O mais grave neste particular é o seu agravamento nas últimas décadas, já que o Governo apenas investiu, criou infra-estruturas e emprego no litoral. Neste momento o país corre procurando recuperar o tempo perdido, mas apenas através de medidas não estruturais como os subsídios camarários à natalidade e à imigração.

Um segundo factor, de índole cultural, deste divórcio entre a população e a floresta deriva da alteração da estrutura da floresta. Até há algumas décadas a vegetação típica a norte do Tejo era composta pelo pinheiro. Esta árvore não autóctone, proveniente da América do Norte, encontra-se bem adaptada às condições naturais do país, contudo é necessário esperar o tempo de uma geração para obter rendimentos. A busca de rendimentos rápidos disseminou o eucalipto, proveniente da Austrália, por todo o país. O pinheiro gera vários subprodutos (resina, caruma, pinhas, mato em seu redor), o que permite uma sinergia entre a população e a floresta. Contudo o eucalipto tudo seca à sua volta e, não fornecendo subprodutos, leva a que as visitas à floresta sejam diminutas, reduzindo-se praticamente à sua plantação e, passados 7 anos, ao seu corte.

Para além deste fenómeno cultural, o eucalipto está extremamente bem adaptado a fogos periódicos, regenerando rapidamente e sendo que a maioria das espécies depende dos fogos para se reproduzir e propagar. Em dias quentes o óleo dos eucaliptos, extremamente inflamável, vaporiza-se e permanece acima da floresta facilitando o avanço das chamas.

Comparativamente aos outros países da Europa Mediterrânea o que distingue a floresta portuguesa é a falta de industrialização e optimização de recursos. Geralmente cada proprietário florestal detêm pequenas áreas dispersas e sem acessos. Nesta estrutura florestal é impossível a construção de aceiros, plantações organizadas ou sequer retirar os rendimentos suficientes para investir na própria propriedade. Neste campo o Estado há muito se desresponsabilizou, esquecendo o emparcelamento e nunca apoiando nem encorajando cooperativas ou associações de produtores. Também na formação dos proprietários o Estado sempre se mostrou inexistente.

Referidos estes factores sociais, culturais, biológicos e industriais é importante não esquecer os fenómenos económicos que se alimentam da fogueira.

Portugal continua a alugar aviões e helicópteros de combate a incêndio. Dispomos de aviões empacotados, comprados para fazer frente a uma ameaça que não existe, porém, para a ameaça real dos incêndios, continuamos dependentes de empresas externas a quem já pagamos o equivalente ao preço de vários aviões.

A ausência de uma lei do solo, como na maioria da EU e nos próprios EUA, é, quanto a mim, o factor que torna o país mais vulnerável às chamas. Apesar da existência do defeso de alguns anos após um incêndio em que não é permitida a construção, a realidade continua apetecível. A simples alteração do estatuto de um terreno agrícola para urbano leva a que o valor deste se multiplique. É inadmissível que uma mera decisão administrativa, que não gerou riqueza ou mais-valia para a sociedade, gere tamanha riqueza nas mãos de alguém de que nem sequer partiu a decisão. Bastou-lhe nada fazer.

O direito do solo deveria ser uma discussão central na política portuguesa, contudo continua estranhamente abafada. Face à sua importância e complexidade, merece por si só, ser debatida, nomeadamente neste mesmo espaço na próxima semana.

Sendo esta a minha visão da vulnerabilidade do país aos incêndios não posso deixar de estranhar que apenas o Ministro da Administração fale de incêndios. Por onde andaram os Ministros da Agricultura e do Ambiente todo o ano? Bem sei que neste momento está instalada uma guerra entre estes Ministérios, mas que fez este e outros Governos para quebrar com as causas da nossa fragilidade?

Quando nos cansaremos de ver irremediavelmente o país arder?

5 Comments:

Blogger Al Berto said...

Viva Nelson:

Quando já não houver floresta.
Bom fim de semana.
Um abraço,

Novo artigo no EG.

domingo, agosto 20, 2006 2:25:00 da manhã  
Blogger José Manuel Dias said...

Bom artigo!

domingo, agosto 20, 2006 8:29:00 da tarde  
Blogger Nelson Peralta said...

Caros,

O problema será se, a destruição da floresta gerar de facto riqueza (ou antes transferência de riqueza).

Ficamos nós e o planeta mais pobre. Para além do que sugiro neste artigo, existem vários modelos de gestão de floresta com os quais poderiamos aprender, o Polaco por exemplo.

domingo, agosto 20, 2006 10:51:00 da tarde  
Blogger Rita Pessoa said...

Cuidemos dela...

domingo, agosto 20, 2006 11:38:00 da tarde  
Blogger Rita Pessoa said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

domingo, agosto 20, 2006 11:38:00 da tarde  

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