A crise de alguns
[publicado no Diário de Aveiro, 27 de Outubro de 2006]
Os anúncios do fim da crise não são novidade, desta feita foi o Ministro da Economia Manuel Pinho.
Nos últimos anos os diferentes Governos justificaram a austeridade com o severo combate à crise. A verdade é que a crise não se compadece com mortes por decreto e as sucessivas políticas tem levado ao incremento da crise social.
Manuel Pinho, que foi cabeça de lista do PS nas eleições legislativas pelo círculo de Aveiro, proferiu o anúncio aqui mesmo. Olhemos portanto para o distrito a ver as medidas de combate à crise.
No distrito de Aveiro estão em curso as maiores “restruturações” ao sistema nacional de saúde de todo o país. Basicamente fecham-se as urgências em todo o distrito, concentrando todos os doentes nos hospitais de St. Maria da Feira e de Aveiro. Mas o Governo garante que a qualidade dos serviços acresce, não obstante não serem conferidas mais valências a estes dois hospitais, e de actualmente já muitos casos atendidos em Aveiro terem que ser reencaminhados para Coimbra. Pelos vistos é preciso acreditar.
Em campanha José Sócrates prometeu manter as SCUTs gratuitas. Era aliás uma das principais linhas que o divergia do então Primeiro-Ministro Santana Lopes. Mas não terá sido quebrado nenhum compromisso com os eleitores. Nada disso. Teremos que acreditar que, mesmo com uma taxa de desemprego acima da média nacional e a crescer, a gestão socrática foi tão eficiente que em apenas um ano conseguiu elevar o PIB e o poder de compra da região (dois critérios para a instauração da portagem).
História ainda mais incrível tem o terceiro critério: a existência de estradas alternativas cujo percurso não exceda em 130% o tempo gasto na SCUT. No estudo original a Via do Infante (93%) reunia condições para ser portajada e a SCUT do Grande Porto (130%) para ficar isenta. Contudo, conhecidos estes valores foi encomendado um outro estudo, e eis que a situação miraculosamente se inverte (140% para o Algarve e 62% para o Porto). Há estudos que vem por bem: as três auto-estradas que contemplarão portagens representam 2/3 da população que vive junto às actuais sete SCUT.
Ainda a A17 e a A29 não estão completas mas já sabemos que quer para norte quer para sul há que pagar.
Da proposta do PIDDAC sabemos ainda que o distrito de Aveiro irá perder 91 milhões de euros em relação ao ano anterior, o que corresponde a uma redução substâncial de 42% das verbas.
Por aqui já se vê que neste Orçamento de Estado haverá muito dinheiro em caixa. A acrescentar temos ainda a diminuição das transferências de fundos para as autarquias, as novas taxas moderadoras, a diminuição dos benefícios fiscais aos contribuintes portadores de deficiência, o não aumento dos funcionários públicos pelo oitavo ano consecutivo, o aumento da factura energética, e tantos outros exemplos. É este o caminho apontado pelo Governo para o combate ao déficit.
Porém o Ministro das Finanças anuncia que para o ano o Estado começará a cobrar o que é devido aos bancos. Estando o Orçamento em discussão, esta medida podia ser já implementada, mas opta-se por esperar.
Os bancos são obrigados a deduzir 20% de IRS ou IRC às pessoas ou empresas a quem pagam juros, ficando isentos destas operações se as obrigações forem emitidas por sucursais instaladas em offshores. Adia-se e até lá é preciso fingir acreditar que estes bancos têm instalações nestas ilhas paradisíacas e que é aí que os seus clientes realizam as operações bancárias.
Está à vista para quem é a crise. E enquanto vivemos nesta terra da fantasia, nos primeiros nove meses do ano, o BES registou um lucro de 304,7 milhões de euros, um crescimento de 47% em relação ao mesmo período de 2005, e o BPI obteve 218,1 milhões de euros, um acréscimo de 38%.
Nada tenho contra o lucro dos bancos. É para isso que existem. Mas não posso deixar de considerar inadmissível a opção de penalizar quem já é fustigado pela crise e não cobrar o que é devido a em quem dela lucra.
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