sexta-feira, outubro 20, 2006

O que está verdadeiramente em causa?

[publicado no Diário de Aveiro, 20 de Outubro de 2006]


Entre a escrita deste artigo e a sua publicação será aprovado no Parlamento o referendo sobre a legalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG). Posteriormente caberá ao Presidente da República a marcação da data, o que, face aos prazos, deverá recair em Janeiro ou Fevereiro.

Em 40 países europeus, apenas em Portugal e na Irlanda a IVG é ilegal. Dos restantes, apenas três países apresentam legislação restritiva: Polónia, Chipre e Espanha.

No referendo seremos confrontados com duas opções: manter a actual legislação ou legalizar a IVG até às 10 semanas.

Caso a lei não seja alterada mantém-se a realidade vigente. A actual lei não evita o recurso a esta prática, apenas remete as mulheres para a clandestinidade – em condições perigosas para a sua saúde – ou para clínicas espanholas. A realidade existirá, mas bem longe dos nossos olhos.

Com a vitória do SIM acabamos com a prisão das mulheres, do aborto clandestino e das mazelas na saúde da mulher daí derivadas e com o enriquecimento à custa do desespero destas mulheres. A legalização da IVG não impõe nenhuma visão à sociedade, pelo contrário respeita a decisão de cada uma de acordo com a sua situação e consciência.

Assistindo à opinião expressa, os apoiantes do NÃO aparentemente não desejam a prisão das mulheres. Pura hipocrisia: a sua votação mantém exactamente essa situação. Em Aveiro, por exemplo, ainda decorre um julgamento.

A decisão cabe a todos nós. Pretendemos que as mulheres sejam interrogadas pela polícia quando ainda estão na marquesa – como aconteceu no caso de Aveiro? Queremos que as mulheres continuem vexadas na investigação após o penoso processo físico e mental a que se submeteram? Queremos o continuado esmiuçar da sua intimidade em praça pública? Pretendemos que tudo continue na mesma ou vamos votar uma lei que acabe com a humilhação e a prisão da mulher?

O que está verdadeiramente é acabar com a prisão da mulher que recorre à IVG. É por isso estou convicto que a vitória do SIM será inequívoca. É por isso importante a participação de todos para que Portugal tenha uma lei que respeite a mulher e a sua dignidade.