sexta-feira, novembro 17, 2006

O monstro precisa de amigos

[publicado no Diário de Aveiro, 17 de Novembro de 2006]


Se o monstro precisa de amigos, o Governo precisa de inimigos. Apresentadas medidas extremamente injustas e impopulares, como a imposição das taxas moderadoras nas cirurgias e internamentos, e uma vez que a sua justificação nunca poderá ser convincente, o Governo vê-se na necessidade de passar rapidamente ao ponto seguinte.

Assim, no momento em que o Serviço Nacional de Saúde é desmantelado pelo fecho de urgências hospitalares, maternidades, SAP’s, e em que o princípio da gratuitidade é posto em causa pelas referidas taxas, o que discutimos? Quando o grupo de cidadãos portadores de deficiência vê os seus benefícios fiscais decrescerem vertiginosamente o que se discute?

Esquecido o presente debate-se, como se já estivesse feito, o que o Governo anunciou que iria fazer: acabar com os benefícios fiscais abusivos da banca. Actualmente são concedidas à banca várias excepções no pagamento de impostos. Ao passo que as demais empresas pagam 25% de IRC, a banca paga em termos reais 15%. Uma falha na lei, corrigida já neste orçamento, permitia à banca comprar imóveis sem necessitar de proceder ao pagamento de IMI.

Não está em causa se a banca deve pagar mais impostos, mas sim que pague aqueles que todos os restantes contribuintes já pagam de acordo com a lei. As medidas são portanto de elementar justiça e só pecam por tardias.

Contudo a forma como o Governo conduziu este processo denota uma necessidade de criar um inimigo. Insistentes declarações provocatórias em busca da cólera da banca. O guião cumpriu-se. Sem uma única medida, apenas com o seu anúncio para o longínquo 2008 (e já sabemos como são as promessas), dá-se a aparência que os sacrifícios são para todos, que o Governo afronta o injusto regime de excepção da banca. Pura ilusão.

Na mesma temática não posso deixar de registar as toneladas de papel e as horas de televisão derretidas por liberais em defesa da banca e contra a regulamentação estatal. Ora, dizem estes senhores, onde se incluem os representantes da banca do Compromisso Portugal, que o mercado precisa de funcionar e que, qual Messias, tudo resolverá.

Acontece que é a própria banca a adoptar uma postura corporativista no seu sector. Nos contratos de concessão de crédito que elaboram incluem uma cláusula do pagamento de 5% do montante, caso o cliente queira mudar para outro banco que lhe ofereça melhores condições.

Assim a concorrência não existe, já que o cliente se vê impossibilitado de mudar sob pena de se endividar ainda mais. Dito nas palavras dos liberais de serviço: assim não se deixa o mercado funcionar.

Podemos legitimamente questionar-nos o que leva estes fervorosos defensores do mercado livre a, eles próprios inquinar essa liberdade. A resposta é bem clara: apenas querem o que é bom para as suas empresas. Nada os move para a construção de uma sociedade mais justa, e o mercado não é visto como uma estrutura que beneficiaria, pela livre concorrência e circulação, toda a sociedade, incluindo os seus clientes. Apenas o vêem como o seu salvador pessoal.