domingo, dezembro 10, 2006

Quem tramou os suecos?

[publicado no Diário de Aveiro, 8 de Dezembro de 2006]


No imaginário colectivo subsiste o mito de que a Suécia é o país com maior número de suicídios! As sociais-democracias nórdicas, em plena guerra-fria, representavam um perigo para a ordem mundial que os Estados Unidos tentavam impor. Portanto, primeiro Eisenhower e acima de tudo, mais tarde, Ronald Reagan disseminaram esse mito de forma a descredibilizar a sua organização social.

Contudo, a criação do mito teve base em números reais. Estatisticamente a Suécia era dos poucos países onde se registava a morte por suicídio. Por toda a Europa, Portugal incluído, o suicídio era algo proibido. Esta concepção religiosa do Estado levava a que os suicídios nunca fossem registados, taxas de zero por todo o lado. Assim a Suécia era o país com maior número de suicídios, aliás dos poucos a ter suicídios!

Lembrei-me desta história ao ler as notícias da apresentação do movimento “Não Obrigado”. Os seus mandatários garantiram que estatísticas em vários países da Europa verificaram um aumento do número de abortos aquando da liberalização.

Antes de mais convém relembrar que o que está em causa não é nenhuma liberalização, mas sim a despenalização como a pergunta do referendo indica. Mas o que mais salta à vista é a tentativa de construção de um mito semelhante ao do suicídio sueco. Enquanto o aborto é ilegal não existem estatísticas fidedignas da ocorrência do fenómeno, uma vez que como é óbvio é escondido. Poderiam ter mostrado as estatísticas em questão, não o fizeram. Seria porém bastante interessante que tivessem esclarecido como se calcula o número de abortos num país onde essa prática é proibida. O método é a extrapolação, tendo em conta o número de mulheres que entram nos hospitais com problemas – muitas vezes gravíssimos – derivados de abortos realizados na ausência de cuidados de saúde adequados.

Uma das bandeiras deste movimento “Não Obrigada” é a recusa de financiamento por parte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) à prática de aborto. Esta foi também uma das questões levantadas pela audiência no debate realizado esta quarta-feira na Universidade de Aveiro sobre a temática. Francisco Louçã confrontado com a questão evidenciou que o SNS não existe para fazer juízos morais. Seria de resto impensável que o SNS decidisse não prestar cuidados de saúde a um doente de cancro no pulmão argumentando que este fumou durante toda a sua vida.

A proibição da prática da interrupção voluntária da gravidez no SNS serviria apenas para manter tudo igual. A população pobre continuaria privada de condições mínimas de saúde quando recorre a esta prática.

Relativamente ao SNS, deve-se referir ainda que o direito à objecção de consciência continuará salvaguardado, da mesma forma que existe na lei actual em que os médicos têm o direito de se recusarem a realizar um aborto nos casos em que a lei o permite (por exemplo violação).

Reafirmo que, estando em questão a posição da sociedade mediante a prática da interrupção da gravidez, votarei contra a prisão da mulher. Votarei SIM.