sexta-feira, dezembro 15, 2006

Sexo – cenas tórridas rendem

[publicado no Diário de Aveiro, 15 de Dezembro de 2006]


No dia em que escrevo, quarta-feira dia 13 de Dezembro, é apresentado um estudo sobre o aborto encomendado pelo Associação para o Planeamento da Família (APF) a uma empresa de estudos de mercado, a Consulmark. Trata-se do primeiro estudo de base científica que retrata a realidade do aborto clandestino em Portugal. Apesar de a iniciativa ter partido de um movimento partidário do SIM os seus resultados poderão ser usados pelos partidários de ambas as facções.

Apresentarei aqui alguns dos dados do estudo bastante extenso e completo. Da população portuguesa concluiu-se que cerca de 350 mil mulheres já realizaram interrupções voluntárias da gravidez. Cerca de 14,5% das mulheres entre 18 e 49 anos já recorreu à prática, e só no último ano terão recorrido 18 mil mulheres.

O estudo não verificou nenhuma correlação quanto ao estatuto económico e ao nível educativo no recurso ao aborto clandestino, demonstrando que é um fenómeno transversal na sociedade portuguesa.

Das mulheres que recorreram ao aborto clandestino, a esmagadora maioria (83%) apenas o fez por uma vez, confirmando que esta prática não é usada como método contraceptivo. 73% das mulheres que abortaram clandestinamente fizeram-no até às 10 semanas. Esta prática até às 12 semanas abarca 89% das mulheres. Mesmo sem a definição legal e as condições de saúde e higiene adequadas, esta prática acaba por ocorrer essencialmente no prazo que o referendo definirá.

O dado mais alarmante do estudo é o facto de mais de 27% das mulheres que praticaram abortos clandestinos posteriormente necessitarem de internamento hospitalar.

Neste mesmo dia em que escrevo consultei as edições online de vários jornais, semelhantes à edição em papel. O JN coloca este estudo como sua manchete. O Público também contém a notícia, mas sem referência na primeira página. O Correio da Manhã (CM) também aborda o estudo, contudo os seus dados estão num texto de título “Aborto - Estudo na Alfredo da Costa motiva denúncia. Pró-Vida lança queixa”. No CM o centro da notícia é a queixa que a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (partidária do NÃO) apresentou ao Ministério da Saúde pelo facto deste estudo ser apresentado numa maternidade. E, depois de dissertar sobre o parentesco dos dirigentes de ambas as associações lá apresenta algumas conclusões do estudo.

De facto este jornal ao fim de 27 anos de existência publicou finalmente, e nas vésperas do referendo, o seu estatuto editorial onde se pode ler "O Correio da Manhã apoiará de forma firme a instituição Família, o direito à Vida e assume o seu apreço pelas raízes cristãs da sociedade portuguesa". O conteúdo e o momento da publicação não deixam dúvidas, o CM tomou uma posição sobre o referendo. De resto, uma das associações que fará campanha pelo NÃO emitiu de imediato um comunicado manifestando o seu gáudio pela atitude.

Nada tenho contra o jornalismo de causas, sejam elas as minhas ou não, desde que se mantenha a veracidade dos factos e seja bem conhecido o compromisso do órgão informativo ou do jornalista com a causa.

De uma forma semelhante, na capa do CM de domingo lia-se “Aborto legal vai custar 20 milhões ao Estado” ao mesmo tempo que o seu site promovia o inquérito "SNS: Aborto deve ser gratuito só para pobres?". Sobre este ponto já escrevi na semana passada. Não compete ao Sistema Nacional de Saúde fazer juízos morais, mas sim aplicar a lei que será sufragada por todos os cidadãos em referendo. Contudo, e como é óbvio, não seria de esperar encontrar a informação sobre quanto gasta o SNS no internamento e tratamento das mulheres que a ele recorrem em muito mau estado de saúde depois de recorrerem ao aborto clandestino.

Claramente a escolha, tratamento e prioridade das notícias segue o seu estatuto editorial, embora julgue que este continue a ser bastante desconhecido dos seus leitores.

Em suma, aprecio bastante que o CM tenha anunciado os seus estatutos antes da campanha para assim os seus leitores estarem cientes que estão perante um jornal comprometido com a causa do NÃO no referendo.

Este artigo, escrito por mim, naturalmente também está comprometido com uma causa, a vitória do SIM. Mas os objectos desta minha interpretação estão todos disponíveis na Internet nos sites dos respectivos jornais, edições de 13 de Dezembro, pelo que cada um pode consultar a informação e fazer os seus próprios juízos.

Para finalizar e como estamos sempre a aprender, devo referir que o CM me fez ver que aquilo que de forma consequente e coerente diz “apoiará de forma firme” engloba, entre muitas outras, a sua recente notícia: “Sexo - cenas tórridas rendem. Porno na net ajuda à fama. Rendidas às fantasias sexuais dos seus companheiros, protagonizam vídeos escaldantes que circulam na web(…)”.