A Praça é de todos
[publicado no Diário de Aveiro, 29 de Junho de 2007]
«La piazza è mia, la piazza è mia» grita freneticamente uma personagem do Cinema Paraíso ao mesmo tempo que empurra e tenta expulsar todos os que passeiam na praça.
«As negociações estão a decorrer no máximo secretismo» assim começa o texto da notícia do Jornal de Notícias que dá conta da nova lei eleitoral das autarquias que PS e PSD estão a preparar.
O que está portanto a ser negociado na penumbra dos corredores? O PS terá deixado cair a sua intenção de querer que todos os lugares de vereação fiquem para o partido vencedor e terá alinhado com a posição do PSD. Essa posição prevê que o partido vencedor tenha no mínimo um vereador a mais que toda a oposição.
Mas a reforma eleitoral não se fica apenas por conferir sempre maioria absoluta independentemente da vontade popular expressa no voto. Os vereadores deixariam de ser directamente eleitos, seria o Presidente eleito a escolher os vereadores da sua lista independentemente do lugar que ocupassem. O Presidente passaria também a ter o direito de demitir e substituir vereadores.
Acrescenta o JN que «um dos principais objectivos da futura lei é eliminar bloqueios de gestão inerentes às chamadas maiorias relativas», de facto essa coisa a que chamamos democracia só atrapalha.
Os partidos do poder gritam querem a praça só para si e que os demais se retirem. Basta olhar para as autarquias, quase todas com maioria absoluta, para verificar que o que está mal na sua governação é a existência de vereadores da oposição. Num momento em que se deveria discutir o aprofundamento da democracia opta-se pelo afastamento da oposição e da vontade popular das autarquias.
Não deixa de ser curioso que com o sistema actualmente em vigor, em geral, um resultado eleitoral de 35% é suficiente para conferir maioria absoluta ao partido que vença as eleições. Mas isso não chega, a maioria absoluta é obrigatória diz-nos o poder.
Sobre o método de Hondt (método matemático utilizado para distribuição dos eleitos mediante os resultados) apenas se escuta o silêncio. O método de Hondt distorce a proporcionalidade dos votos em vantagem dos partidos “maiores”. Por exemplo, caso o método utilizado em Portugal fosse o Saint-Lague, que deriva do método de Hondt mas que respeita mais a proporcionalidade dos votos, nas últimas legislativas o BE e o PCP teriam eleito um deputado cada pelo distrito de Aveiro. O deputado do BE seria o 10º a ser eleito em 15, portanto uma eleição muito segura. Porém o método utilizado distorce a representatividade do voto popular nos eleitos. O método de Saint-Lague é utilizado em vários países, nomeadamente na Suécia, Noruega e Dinamarca.
Mas tudo isto não chega. «La piazza è mia, la piazza è mia» grita freneticamente o poder.
Etiquetas: Artigos publicados, autarquias, democracia
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