sexta-feira, outubro 12, 2007

Espaço público, espaço de todos

[publicado no Diário de Aveiro, 12 de Outubro de 2007]


1. Recentemente foram cortadas algumas árvores na Avenida dos Congressos da Oposição Democrática. Que crime cometeram estas árvores plantadas ao longo do passeio? Estavam no caminho do betão.

Junto ao passeio dessa avenida estão a ser construídas vários prédios de habitação, encostados ao passeio e em que o primeiro andar avança para cima do passeio. Toda esta proximidade ditou que não haveria espaço para árvores. Uma cidade sem espaço para o verde será sempre uma cidade cinzenta, por mais que se pinte o betão.

2. Se a construção dita o abate de árvores, a mobilidade para todos nunca é critério para tal. Nas nossas cidades há imensos passeios onde árvores, postes de iluminação ou paragens de autocarros os tornam inacessíveis para cadeiras de rodas e para pessoas com mobilidade reduzida. Os próprios passeios muitas vezes constituem um obstáculo intransponível, constituindo uma descontinuidade na paisagem urbana. Aveiro não é excepção. O obstáculo que espelha bem esta segregação cruel é a passadeira junto à entrada do hospital de Aveiro que, pela sua localização, deveria merecer atenção redobrada. Contudo, para atravessar a Avenida Dr. Artur Ravara nesta passadeira é necessário passar por quatro gigantescos degraus.

A cidade é de todos e deve poder ser utilizada por todos. A aplicação da legislação sobre barreiras arquitectónicas e a criação de uma equipa de estudo vocacionada para o desenho urbano são prioridade políticas incontornáveis.

3. São Paulo, a quarta maior metrópole mundial, baniu toda a publicidade. A medida abrangeu todos os painéis publicitários e electrónicos, outdoors, distribuição de panfletos, e as fachadas comerciais foram regulamentada. Anúncios de interesse histórico são analisados caso a caso. Numa fase posterior, será escolhido um bairro da cidade onde será permitida a publicidade exterior mediante regras bem explicitas. Esta polémica “lei cidade limpa” aplicada pelo Prefeito Gilberto Kassab, com o qual não tenho qualquer afinidade ideológica, agradou bastante à população.

A remoção da publicidade permitiu conhecer uma cidade até então desconhecida, permitindo iniciar a sua resolução. Bairros degradados no coração da cidade, irregularidades urbanísticas e danos estruturais em edifícios.

Esta realidade é bastante distante da Europa. Porém, durante o Euro 2004, prédios devolutos foram cobertos com publicidade para tornar a nossa cidade mais agradável ao turista. Nenhum problema foi resolvido, mas varremos o lixo para debaixo do tapete.

Na Europa, e em Aveiro, a questão de fundo é saber de quem é o espaço público. De uma forma crescente, sem apelo nem agravo, este espaço tem sido ocupado pela publicidade. No Porto, durante as obras, a emblemática Torre dos Clérigos não foi coberta por uma imitação da sua fachada, mas sim por um anúncio a uma marca de cervejas. Em Aveiro, entre o Canal Central e a Lua temos o anúncio de uma loja de electrodomésticos e electrónica.

Em várias cidades ocidentais grupos de activistas tem-se dedicado a reivindicar o espaço público enquanto espaço colectivo. Uma das suas iniciativas é cobrir painéis publicitários, acrescentam a mensagem “a cidade é tua, usa-a” e deixam um marcador para que cada cidadão que passe deixe a sua mensagem.

Nada tenho contra a publicidade. Aliás, pela sua história, alguns anúncios e a cidade são uma só uma entidade. O Ayuntamiento de Madrid decidiu reduzir a publicidade exterior e proibir os luminosos para melhorar a imagem da cidade. A excepção foram dois anúncios luminosos que, pela história e contributo para a cidade, Madrid decidiu manter.

Contudo, entendo que é necessário estabelecer um critério político e público sobre o que é permissível. Não é admissível que o espaço colectivo seja selvaticamente vendido à publicidade.

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