sexta-feira, março 07, 2008

Porta 65: o descalabro

[publicado no Diário de Aveiro, 7 de Março de 2008]

1. Verdade ou consequência

Na última sexta-feira, Pedro Vaz (Presidente da JS Distrital) publicou neste jornal um artigo de elogio ao programa de arrendamento jovem Porta 65.

Pedro Vaz rotulou o Bloco de Esquerda como «simpático, mas inconsequente» referindo-se a uma proposta que apresentamos na Assembleia Municipal de Aveiro defendendo o aumento da taxa de IMI para prédios desocupados e devolutos. Diz Pedro Vaz que o Bloco não deveria ter ficado apenas por aquela proposta e que deveria ter ido mais longe: que esses imóveis fossem colocados no mercado de arrendamento exclusivamente para jovens, obtendo daí desconto no IMI, ou agravamento no IMI em caso de nada fazerem.

Ora, Pedro Vaz sugere que o BE faça aquilo que a JS não faz. Acresce que o deputado municipal da JS nada propôs, absteve-se nesta proposta do IMI e nada teve para dizer em toda a discussão. Portanto, relativamente à inconsequência estamos conversados, vamos ao que interessa.


2. Porta 65 Jovem, os números

O programa Porta 65 Jovem, que substituiu o anterior Incentivo ao Arrendamento Jovem (IAJ), representa a desresponsabilização do Estado em políticas de habitação. Se para o anterior IAJ estavam reservadas verbas na ordem dos 60 a 65 milhões e euros por ano, para o Porta 65 apenas foi atribuída 34 milhões de euros. Para além disto, os critérios do programa excluem tantos jovens que a verba de facto aplicada será bastante inferior.

Os critérios deste programa do Governo PS, no que toca a limites máximos de renda, eram de tal forma irreais que era praticamente impossível encontrar habitações dentro do limite. Isto é bem patente no número de candidaturas: 3.561, das quais apenas 1.554 foram aprovadas. De notar que o IAJ beneficiava 24 mil jovens por ano.

O Porta 65, através do seu critério de taxa de esforço, excluía os jovens que mais precisam do apoio ou, nos termos do secretário de Estado responsável: este não é um programa para pobres.

O Porta 65 reduziu o apoio de 24 mil jovens para 1.500 e mudou as regras a meio do jogo, exscluindo vários beneficiários do IAJ que agora se arriscam a ficar sem tecto.

Entretanto, face ao descalabro, o Governo redefiniu em alta o valor das rendas mínimas admissíveis e da taxa de esforço reconhecendo o clamoroso erro que cometeu. Uma alteração que mantém o Porta 65 como um concurso a que poucos tem acesso, sem qualquer relevância na regulação do mercado, e tarde de mais para milhares de jovens.


3. Uma política de habitação de esquerda

O IAJ e o Porta 65 Jovem são programas com a mesma essência, a principal diferente é a acentuada restrição de apoio do segundo. São ambos programas que se adaptam e alimentam um mercado de rendas altas e artificiais, de valor semelhante a mensalidades de empréstimos.

Urge romper com este paradigma. Estes programas de subsídios apenas atenuam os problemas enquanto o jovem benefecia do apoio, findo este nada perdura e nada foi acrescentado à sociedade.

Uma política de habitação de esquerda tem que modificar o mercado e transformar os seus resultados em definitivos. Para tal, as medidas mais imediatas – sem prejuízo de outras, nomeadamente relativas à política de solos, são:

i) o Estado/autarquias arrendarem habitação a custos controlados, dando em troca ao proprietário a garantia de pagamento durante todos os meses do ano, e subarrendar sem prejuízo aos jovens;

ii) apoio financeiro estatal/autárquico à reabilitação do edificado degradado, acordando com os proprietários que após as obras as habitações entrem no mercado de arrendamento a custos controlados durante 10 a 25 anos (programa semelhante ao espanhol);

iii) o Estado/autarquias adquirirem edificado devoluto, reabilitarem-no e inserirem-no no mercado a custos controlados.

Estas seriam medidas consequentes, que deixariam um legado na sociedade, controlando o custo do arrendamento em todo o mercado de arrendamento e quebrando o ciclo vicioso de endividamento dos jovens e da população em geral à banca.

O IAJ e o Porta 65 são pontualmente úteis, mas a longo prazo é apenas atirar dinheiro para a fogueira. Ainda hoje estamos a pagar os custos da anterior política de habitação jovem, o crédito bonificado. O Estado paga, e continuará a pagar nas próximas décadas, 200 milhões de euros por ano à banca por um programa inconsequente que já terminou há anos. Imagine-se a diferença que teria sido feita ao aplicar estas verbas em programas de intervenção no mercado como os que referi.

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