sexta-feira, junho 08, 2007

A Avenida

[publicado no Diário de Aveiro, 7 de Junho de 2007]


A última edição do jornal Expresso, no suplemento Única, trazia um projecto de requalificação para a Avenida Lourenço Peixinho da autoria de João Paulo Cardielos e Tiago Filipe Santos. Este projecto foi distinguido no concurso “Vamos Fazer a Cidade” organizado por aquele semanário.

A proposta de requalificação envolvia a redução das faixas de rodagem para uma em cada sentido com estacionamento em paralelo e a reconfiguração de toda a zona central da Avenida. A proposta dotaria a zona central de dois auditórios, de um campo de futebol e um de basket, espaços para leitura, exposição, Internet, desportos radicais, multi-usos, um centro de turismo, quiosque e bar e ainda de uma piscina. Estas estruturas estariam enterradas ou à superfície e seriam ainda acompanhadas de um corredor central para peões e ciclistas.

A análise dos autores do projecto refere que nos anos 80 acentuou-se na Avenida a troca da ocupação residencial pelo comércio e serviços, e que nos anos 90 as fusões de empresas e bancos levaram à desocupação e consequente degradação dos imóveis e que agora a Avenida é um lugar deixado nas mãos de um capitalismo egoísta.

Revejo-me no conceito do projecto, que consiste em devolver a Avenida ao cidadão, mas não me revejo na sua concretização. Mas o projecto poderá ter o mérito de impulsionar a discussão e as ideias sobre a Avenida.

A primeira discussão que devemos ter é para que serve a Avenida. Ora, em termos de acessibilidades, a Avenida sempre foi a via que permitia a deslocação entre dois pontos urbanos relativamente próximos. Este paradigma foi alterado recentemente com a construção do túnel da estação que tornou a Avenida numa entrada e saída da cidade. Deste modo, urbanisticamente, o túnel não veio resolver nenhum problema mas sim criá-lo. A Avenida tornou-se uma via de trânsito mais rápido, com menos árvores. Portanto temos que definir se a Avenida deve ser uma via de excelência para o automóvel ou para o peão. Da minha parte, considero que o modelo de desenvolvimento urbano assente na dependência do automóvel é absolutamente insustentável e que o espaço público deve pertencer ao cidadão e não ao automóvel. Para além da questão ambiental, o automóvel ocupa bastante espaço na cidade, reduz a densidade populacional e alarga a cidade.

A Avenida deve ser um espaço público de usufruto do cidadão. Fica no centro da cidade e tem todas as potencialidades. Na minha opinião, o ideal seria uma Avenida exclusivamente pedestre. Estando consciente que será necessário conciliar o ideal com o possível, a Avenida deveria ser – como no passado recente – uma via de trânsito lento e interno na urbe. Em Aveiro a opção por uma via pedestre não agrada aos comerciantes, contudo a Rua Augusta e a Rua de Santa Catarina são as ruas mais comerciais de Lisboa e Porto, e ambas são pedestres.

Posto isto, há que saber o que fazer com as opções do passado. Nesta óptica, a construção do túnel da estação foi um erro crasso, mas agora que existe o que fazer com ele? Certamente não podemos de ânimo leve tapar algo que custou 5 milhões de euros. Associado a este erro há outro, a rotunda da EN 109 que extemporaneamente a torna numa via de trânsito lento.

Na requalificação da Avenida não se pode olhar apenas para baixo. A Avenida é envolta e delimitada por edificação heterogénea, onde há já vários prédios devolutos. O referido projecto nada sugeria para este ponto, mas entendo que é exactamente esta recuperação a mais urgente sob pena de acentuar o abandono da Avenida. Apesar da deficitária situação financeira da autarquia é imperativo a defesa do património edificado em detrimento da nova construção periférica. A recuperação da habitação existente no núcleo urbano mais antigo para arrendamento que promova a sua dinamização tem que de ser uma das prioridades da política da autarquia. Não podemos permitir a morte do centro urbano e o crescimento da cidade em mancha de óleo.

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Outras ideias:
[Farinha Amparo] e [Divas & Contrabaixos]

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