sexta-feira, agosto 03, 2007

As contas da erosão

[foto P. R.]

[publicado no Diário de Aveiro, 3 de Agosto de 2007]


No passado sábado, o Bloco de Esquerda realizou uma iniciativa sobre os riscos para a orla costeira na Praia do Furadouro. Este local é o que apresenta maior erosão em toda a costa portuguesa, registando um avanço do mar de nove metros a cada ano que passa.

A acção realizada foi muito simples: com uma enorme fita métrica mediu-se da linha de água do mar para o litoral, fazendo assim uma previsão dos efeitos que a erosão costeira terá naquele local. A manter-se a mesma taxa de avanço do mar, bastam oito anos para que as águas cheguem à zona de habitação.

A erosão do litoral não é um fenómeno recente. Nas últimas décadas foi invertida a tendência dos últimos três mil anos e o nosso litoral começou a encolher. Este fenómeno deveu-se em grande parte a dois factores: às baragens que reduziram a quantidade de sedimentos a chegar à costa; e à fixação dos ambientes dunares devido à construção civil desenfreada no litoral. Este fenómeno tende a agravar no futuro próximo com a subida do nível médio do mar, fruto do aquecimento global.

A erosão costeira, como facilmente podemos constatar, é acima de tudo um fenómeno de causas antropogénicas, pelo que o desenvolvimento sustentável passou a ser uma constante do discurso político. Contudo, para muitos autarcas, o conceito de sustentabilidade assenta apenas no presente, esperando que no futuro milagres da técnica resolvam os problemas que hoje criam.

As soluções técnicas aplicadas na protecção da costa são meramente paliativas. A construção de estruturas físicas perpendiculares (pontões), paralelas (paredões) ou paralelas descoladas da costa representa custos exorbitantes, e a sua manutenção é igualmente dispendiosa. Porém, apenas resolvem pontualmente o problema, agravando a erosão a sul do local. A introdução de areia na costa atenua o problema, mas sendo de continuidade obrigatória equivale a atirar uma fortuna às águas do mar.

As autarquias aprovam áreas de construção em pela zona dunar ou de risco, com a geração de enormes lucros para privados. Volvidos uns anos, a mesma autarquia e o Governo dispendem uma fortuna a proteger esses empreeendimento legal mas indevidamente construídos que entretanto agravaram a erosão do local. É urgente que sejam implementadas políticas responsáveis de ordenamento da orla costeira, e essencial que as autarquias pugnem pelo desenvolvimento sustentável, protejam a paisagem e não se comportem como incentivadoras do mercado de especulação imobiliária.

Ovar destaca-se nos problemas de erosão costeira. No passado recente, a Câmara Municipal cedeu gratuitamente terrenos em zona dunar terceária (e que tinham estatuto de Reserva Ecológica Nacional) para a construção de uma arena de basket e um centro comercial (Sportsforum), com consequente abate de uma densa área florestada e a remoção de toneladas de areia.

No presente, o executivo da autarquia Ovarense está indignado com o chumbo de um empreendimento imobiliário no Furadouro (Zona turística do Carregal) pelo Ministério do Ambiente. Este projecto englobava um hotel, comércio, habitações e um campo de golfe a escassos metros do mar, em plena duna secundária na zona com maior taxa de erosão costeira do país. É o próprio Presidente Manuel Oliveira que mais incentiva o projecto, prometendo levar o caso ao Primeiro-Ministro para que seja reconsiderado. E no futuro ainda haverá espaço para um picadeiro.

O Vereador do Ambiente - José Américo - explanou bem a política da autarquia afirmando que o necessário «é que façam obras de defesa em toda a costa de Ovar», ao mesmo tempo que defende estas construções em zonas de risco e potenciadoras do problema da erosão.

Curiosamente, no mesmo dia em que o Bloco de Esquerda esteve no Furadouro, o Primeiro-Ministro José Sócrates foi ao Algarve apresentar dez novos empreendimentos de luxo na costa, declarados projectos de interesse nacional. Será mesmo que o que o Algarveprecisa é de mais betão na costa?

Este ano em Ovar vão ser gastos 6 milhões de euros na defesa da costa; a nível nacional prevê-se que nos próximos seis anos sejam gastos 300 a 400 milhões de euros. Portanto da próxima vez que lhe falarem dos benefícios e ganhos de campos de golfe e hotéis de luxo na costa, faça as contas e veja quanto lucra...

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