quarta-feira, maio 19, 2010

A biodiversidade e os negócios

Publicado no esquerda.net


As Nações Unidas declararam 2010 como o ano internacional da biodiversidade. Por todo o globo têm decorrido várias iniciativas alusivas ao tema, mas os tempos não são de festa. No início do mês, as Nações Unidas apresentaram um relatório (Terceiro Panorama Global de Biodiversidade) que diagnostica um planeta onde os ecossistemas que sustentam a vida e a economia global estão em risco de rápida degradação e colapso irreversível.

Sem grande surpresa, o relatório confirma que os líderes políticos mundiais falharam nas metas conservacionistas acertadas há oito anos. Até 55% das espécies estão ameaçadas de extinção, incluindo agora organismos de uso humano (pecuário e agrícola). Estas extinções afectarão primeiro as populações com menos recursos e que dependem directamente de animais e plantas para alimentação e fins medicinais. As Nações Unidas alertam ainda que os principais motivos para o desaparecimento de espécies - a perda de habitats, as alterações climáticas, a poluição, a sobre-exploração de recursos e o impacto de espécies invasoras - não estão a melhorar e nalguns casos estão mesmo a piorar.

O "business as usual", como disse Ahmed Djoghlaf da Convenção para a Diversidade Biológica, já não é uma opção se queremos evitar danos irreparáveis aos sistemas que suportam a vida. Ainda assim há quem discorde. Tem sido promovida a ideia, agora reavivada por um estudo impulsionado pelos ministros do ambiente do G8 e das 5 maiores economias emergentes, de que a única forma de proteger a natureza é atribuir o devido valor económico ao serviço que presta.

O estudo "A Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade", também realizado na esfera das Nações Unidas e financiado pela União Europeia e pelos governos alemão e britânico, preconiza que a conservação da natureza ocorre caso represente lucro. Por exemplo, se se demonstrar que uma floresta intacta gera mais dividendos que os rendimentos obtidos pelo seu derrube e comércio, então a floresta continuará de pé. É assim que a Humanidade funciona, alegam. Tudo tem que ter um preço. Só assim se dá valor às coisas. Perante o abismo é sempre possível criar um novo mercado. Já vi este filme e está a ter maus resultados: institui-se uma organização social baseada no que garantem ser a "ganância natural" do humano, premeiam e dirigem as decisões para a ganância, ignoram o bem comum, até que chegam ao presente estado da economia. Alastrar a receita talvez não seja a melhor ideia...

Porém, enquanto a comunidade internacional se entretém a falar dos problemas da biodiversidade e dos seus impactos sociais sem nada fazer, a realidade prossegue. A Monsanto, maior multinacional do sector dos transgénicos e das sementes patenteadas, vai doar 475 toneladas de sementes ao Haiti. Numa das nações mais pobres do planeta, ainda a recompor-se da devastação do terramoto, os pequenos agricultores já prometeram uma forte contestação ao que consideram ser um ataque à pequena agricultura, aos agricultores, à biodiversidade, às sementes autóctones e ao que resta do ambiente no Haiti.

O movimento campesino haitino vê a oferta como um presente envenenado e, de facto, o cartão de visita não é convidativo. As sementes da multinacional serão distribuídas através do programa winner que tem como director um antigo Ministro dos Negócios Estrangeiro do então ditador haitiano "Baby Doc". Os objectivos declarado da agência governamental norte-americana de que faz parte o programa, a USAID, são claros: promover os interesses americanos em expandir a democracia e o livre mercado, enquanto ajuda os povos de países em vias de desenvolvimento.

Por sua vez, a Monsanto, de acordo com a Via Campesina, exerce um controlo crescente sobre a agricultura, arruína os pequenos agricultores e fa-los perder as suas terras. Por estes motivos, a maior organização mundial de camponeses lançou no ano passado um dia mundial de protesto contra a multinacional.

Os receios são fundamentados. A empresa terá informado o governo haitiano de que as sementes foram tratadas com fortes fungicidas, mas não adiantou que nos Estados Unidos é obrigatório o uso de equipamento próprio de protecção para quem lida com esses químicos, nem adiantou qualquer oferta de treino no seu manuseamento ou de roupas de protecção. Os agricultores temem ainda que futuramente a Monsanto introduza sementes transgénicas na ilha. A capacidade reprodutiva das sementes híbridas e os direitos das patentes das mesmas são outras das preocupação já que podem deixar o povo haitiano totalmente dependente das práticas comerciais da empresa.

É este o retrato da solidariedade internacional. Após tanta promessa de ajuda económica e social ao Haiti, o melhor que a comunidade internacional consegue fazer é entregar a segurança alimentar de toda a população a uma única multinacional com interesses predatórios no sector.

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1 Comments:

Anonymous Kato said...

Esquerda e ambientalismo, conceitos indissociáveis.

quinta-feira, maio 20, 2010 10:15:00 da tarde  

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