Água virtual, sede real
Publicado no esquerda.net
O impacto humano nos rios do planeta é de tal forma intenso e nefasto que ameaça o acesso de quase cinco mil milhões de pessoas à água e a sobrevivência de dez a vinte mil espécies aquáticas. Estas são as conclusões de um estudo publicado a semana passada na revista Nature.
Na Europa e Estados Unidos o risco de perda de biodiversidade é maior, contudo nos países em desenvolvimento – particularmente em África e na Ásia central – junta-se a ameaça no acesso humano à água. Se o estudo nos mostra que a distribuição dos riscos ambientais e sociais é assimétrica, sabemos que o modelo económico também o é. No planeta, a importação de “água virtual” - isto é, a quantidade de água necessária para produzir um bem, produto ou serviço - efectua-se dos locais onde é mais escassa para onde é mais abundante.
O Reino Unido e outros países ricos dependem fortemente da importação de “água virtual” alerta um outro estudo da Royal Academy of Engineering de Londres publicado em Abril. Apesar da Grã-Bretanha ser conhecida pela sua humidade, calcula-se que dois terços da água que a sua população consome seja na forma de água “escondida” na importação de alimentos, roupas e bens industriais. Estima-se que para produzir um quilo de carne de vaca sejam necessários 16.000 litros de água, para um quilo de milho 900 litros, para uma chávena de café 140 e para uma t-shirt 2.700.
A escassez de água é uma evidência. Os seus efeitos já se fazem sentir, assim como a sua valia económica. A luta pela água intensifica-se. Um pouco por todo o globo, multinacionais posicionam-se estrategicamente no abastecimento e saneamento de água e na propriedade de reservas hídricas. Nalguns países, somam-se as alterações nas bacias hidrográficas para servir projectos de irrigação que garantam a exportação de alimentos para países do norte.
Com as condições de vida a se deteriorarem, a população resiste. Nas últimas semanas, o governo do Peru adjudicou a um consórcio espanhol mais um destes projectos de irrigação, com estudos hidrográficos em falta e com um estudo de impacto ambiental que apontou defeitos ainda não corrigidos. Os protestos da população, que teme a falta de água para o seu abastecimento e para as suas terras, levaram a várias manifestações, uma greve geral de 48 horas e a ocupação do aeroporto. O exército foi chamado para funções de controlo social e a repressão policial resultou em vários feridos e num morto.
No avanço pelo controlo deste recurso natural, as multinacionais têm encontrado aliados de confiança nos governos, fornecendo leis à medida, desbaratando redes públicas, inventando meios de financiamento (onde o Banco Mundial também dá cartas) e, quando necessário, emprestando o braço repressivo do Estado na defesa do negócio. É altura de encontrarem a oposição de quem necessita da água para viver.
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