sexta-feira, agosto 08, 2008

Os Jogos da Vergonha

[Publicado no Diário de Aveiro, 8 de Agosto de 2008]


Hoje iniciam-se os Jogos Olímpicos de Pequim. Se a janela mediática tem estado entreaberta, vai-se abrir em definitivo. Na capital da China e noutras cidades estarão milhares de jornalistas. Há ainda a somar milhares de câmaras de vídeos e de fotografia nas mãos de turistas.

No Ocidente, o capitalismo mudou bastante nos últimos séculos devido à constante luta dos trabalhadores. Passou a ter uma grande componente especulativa com abrandamento – mas não desaparecimento – da componente produtiva.

A globalização do sistema dominante divide o planeta em dois: de um lado o mundo produtor, do outro o mundo consumidor. Só assim se consome sem remorsos. O capitalismo é global, as multinacionais são as mesmas. Apenas operam em negócios diferentes consoante a relação de forças na ocasião. Se na Europa os trabalhadores conquistaram o direito à dignidade, então a produção faz-se onde a escravatura assalariada esteja de boa saúde.

O capitalismo do século XIX está vivo, na China e em bastante outros países em vias de desenvolvimento. Aí reina a escravatura assalariada, trabalhadores sem direitos, sem liberdade de expressão e de pensamento, com uma jornada laboral suicida, trabalho infantil, ausência do direito à escola. A China é hoje o rosto mais cruel do capitalismo.

Jerónimo de Sousa e José Sócrates, o PCP e o Governo, sem esquecer os capitalistas: todos tecem loas à China. O Partido Comunista Português realça "o papel cada vez mais importante da China na comunidade global, os êxitos inegáveis do país e os objectivos socialistas que Pequim se propõe alcançar". José Sócrates considera os "juízos políticos" secundários e que "a China está a mudar a ordem mundial, é uma das mais pujantes economias emergentes". O poder instituído e os capitalistas apoiam…

A China é um gigantesco campo de concentração com máquinas de costura. Contudo, o único caso digno de mediatismo é o tibetano. Esta não é uma escolha inocente. O Tibete é um problema digno e legítimo, mas ao contrário da escravatura laboral, não é um caso que coloque em causa o nosso modo de vida. Um simples relato do que é a vida de quem nos produz os bens de consumo, de marca conceituada ou não, seria suficiente para morder o capitalismo. Porém nem uma grama de notícia.

A censura tem sido uma constante, quer por parte de meios de comunicação chineses quer pelos ocidentais e ainda por empresas de internet ocidentais. O capital não morde nos seus. É por este mesmo motivo que considero estes Jogos da Vergonha uma oportunidade única. Está aberta a janela mediática, é aproveitar.

O atleta negro Jesse Owens envergonhou a Alemanha nazi e os Estados Unidos segregacionistas ao ganhar quatro medalhas de ouros nas Olimpíadas em Berlim de 1936. Nos Jogos Olímpicos no México (1968), Tomie Smith e John Carlos no pódio tomaram uma posição – punho levantado com luva negra, descalças e com contas no pescoço – contra a segregação racial de que eram vítimas nos Estados Unidos. O terceiro atleta no pódio, o australiano Peter Norman, usou um crachá em apoio à causa. Por esta atitude, os dois atletas negros foram expulsos dos Jogos e Peter Norman repreendido. Os três foram ostracizados nos seus países, até às sucessivas homenagens que apenas ocorreram neste século.

O Presidente do Parlamento Europeu, apela a que os atletas denunciem as violações dos direitos humanos. Este senhor do status quo pede para que atletas façam aquilo que a própria União Europeia e o Parlamento Europeu institucionalmente não fazem.

Em 2004 os Jogos regressaram à sua casa da antiguidade. Na modernidade os Jogos vão pela primeira vez à sua casa, onde as grandes marcas que patrocinam os Jogos e os atletas explora e fazem disso o seu lucro.

A janela mediática está aberta, espero que os atletas nos Jogos e os trabalhadores chineses nas ruas digam bem alto que os direitos humanos, a escravatura laboral e a liberdade de expressão não são um pormenor. A queda do regime totalitário e sanguinário e a transformação social na China é a exigência não só de uma força de esquerda progressista, mas da própria modernidade.

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