sexta-feira, abril 06, 2007

Proibido adoecer

[publicado no Diário de Aveiro, 6 de Abril de 2006]


No primeiro dia deste mês entraram em vigor as novas taxas moderadoras. O Governo decidiu aplicar novas taxas moderadoras a doentes que recorram ao Serviço Nacional de Saúde. Assim, um doente que seja sujeito a internamento pagará cinco euros por dia (até a um máximo de 10 dias) e os doentes que forem alvo de uma cirurgia pagarão dez euros.

A justificação do Ministro da Saúde, Correia de Campos para a implementação destas novas taxas foi a moderação do acesso e a valorização do serviço prestado. A justificação dessas novas taxas pela moderação do acesso é simplesmente anedótica, como se alguém optasse por ser operado ou internado por auto-recreação! ­ Vou ao cinema. Está esgotado! Vou remover o apêndice!. Quanto à valorização do serviço prestado, a que se refere o Ministro? Ao encerramento das urgências, serviços de atendimento permanente e maternidades por todo o país, com grande incidência no distrito de Aveiro? Ao facto de Portugal ser já o sétimo país da OCDE com maior despesa per capita no sistema de saúde?

O Governo está a implementar uma política coerente e integrada. O paradigma da gratuitidade dos serviços de saúde é alterado com a transformação das taxas moderadoras em cobranças de serviços. Ao mesmo tempo, serviços e valências hospitalares são encerrados alegadamente porque a sua permanência não se justifica devido à fraca afluência de doentes. Curiosamente, nessas mesmas localidades nascem unidades de saúde privadas! A política tem um rumo bem definido: a substituição dos hospitais públicos por unidades de saúde privadas; e a substituição do Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito por um sistema de acesso à saúde regulado por apólices de seguro.

Consultei a notícia referente a estas novas taxas em 16 órgãos de informação nacionais, e não deixa de ser curioso o que verifiquei: todos usam o termo “utente” e nenhum fala em “doentes”. Mas é exactamente por existirem doentes que o sistema de saúde que defendo se baseia na solidariedade. Todos contribuímos para o sistema de saúde para que o preço da saúde não seja imposto aos cidadãos doentes, porque todos necessitamos de aceder a cuidados de saúde e porque ninguém pode ficar de fora por falta de condições económicas.

A táctica de comunicação do Governo continua bastante eficaz, mesmo no tratamento desta medida em que vai ao bolso dos cidadãos no momento em que estão mais vulneráveis: na doença. O Ministro Correia de Campos está destinado a ser o único a assumir a autoria das medidas, quer-se portanto impopular. O Primeiro-Ministro José Sócrates parece não morar aqui, apesar de ser o responsável máximo por todas as políticas governativas. Por certo daqui a uns tempos assistiremos a um “exorcismo”: uma remodelação governamental onde os Ministros que sustiveram as políticas lesivas para o cidadão serão substituídos e, mediaticamente, levarão todo o mal consigo. O sorriso imaculado de José Sócrates permanecerá.


[Ler também: Saúde em Portugal: uma doença crónica]

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