sexta-feira, agosto 10, 2007

O Bloco e o Poder

[publicado no Diário de Aveiro, 10 de Agosto de 2007]


Celebrado o acordo em Lisboa entre o vereador eleito pelo Bloco de Esquerda, José Sá Fernandes, e os eleitos pelo Partido Socialista, caiu o carmo e a trindade.

Antes de mais, assumo que na altura não concordei com a celebração do acordo, por duvidar que seja possível o seu cumprimento e pelo facto da nova lei de finanças locais ser da autoria de António Costa. Porém, agora que existe espero fortemente que seja cumprido, uma vez que contém políticas essenciais para melhorar a qualidade de vida em Lisboa.

Pela primeira vez, ouvi o representante da indústria de construção civil insurgir-se contra os órgãos eleitos de uma autarquia. Tudo devido a um dos pontos no acordo (que já fazia parte do programa eleitoral do Bloco) que prevê que em Lisboa o PDM seja alterado para que 25% das novas construções sejam vendidas a custos controlados. O excelso representante da construção assegura-nos que é uma medida própria de Havana. A imprensa reproduz as declarações agitando o fantasma. Em lado nenhum surge a informação: esta medida existe e funciona em cidades como Paris, Barcelona e Nova Iorque, portanto bastante longe de Cuba...

Concordando ou não com o acordo, este foi feito da melhor forma: escrito, declarado, público, claro e transparente. O acordo estipula as políticas de convergência, sendo que nas restantes os eleitos têm liberdade de voto. O documento estipula ideias e não se tratou da tradicional negociação de lugares.

O Diário de Notícias, apresenta-nos a notícia de que o acordo BE-PS em Lisboa pode ser um ensaio para em 2009 se repetir a nível governamental. Neste texto o DN cita quatro elementos do Bloco, todos rejeitam esse cenário, mas o título e a notícia mantém-se! Curiosamente, já antes o jornalista que assina a notícia tinha escrito o mesmo no seu blogue no formato opinião. Mas a notícia não ficou por aqui e no dia seguinte já se repetia como editorial.

Ora, como recentemente António Arnaut - fundador do Partido Socialista - afirmou «não há marcas de esquerda neste Governo». Não existem pontos convergentes na política governativa deste PS e do BE. Se o Bloco fosse uma instituição de caridade para o PS sem maioria absoluta já o tinha sido na primeira legislatura, quando Guterres aprovou o Orçamento do “Queijo Limiano”.

Por todo o país, subsistem várias coligações pós-eleitorais, assumidas ou encapotadas, das mais prováveis às mais estranhas. Mas nenhuma, por mais singular que seja, merece os comentários, extrapolações e a futurologia dedicada ao acordo (e não coligação) de Lisboa. A tentativa mediática de colagem para 2009 é totalmente descabida e não fundamentada, pelo que não me vou alongar a negar a possibilidade que alguém na imprensa se lembrou de criar.

O principal interessante destas últimas semanas tem residido em ver os fazedores de opinião tão depressa dizerem que o Bloco é um partido extremista do contra, meramente anti-poder que nunca estará disponível para fazer nada, apenas disponível para a comodidade da critica na oposição... como no momento seguinte dizem que o Bloco é um partido igual aos outros, que busca incessantemente o poder a qualquer custo. E, sem qualquer pudor, alternam estes dois discursos à discrição. O importante é estereotipar e não discutir as ideias apresentadas.

Interessa portanto definir a relação do Bloco de Esquerda com o poder. Eu nunca tive vocação para missionário nem para idiota útil. Não é minha intenção andar a pregar aos peixes nem ser a voz da boa consciência. A minha intervenção na política não se destina a apaziguar a minha consciência com a noção de dever cumprido mesmo que nada mude. O que eu pretende é a transformação na sociedade para que cada um de nós tenha uma maior qualidade de vida num todo mais justo.

O poder não é essencial para a mudança, podem ser operadas pequenas alterações mesmo fora da esfera do poder. Um exemplo é a passagem da violência doméstica a crime público, possibilidade que antes do Bloco existir nunca tinha sido proposta.

É portanto evidente que o exercício do poder me interessa: é a forma de realizar as transformações que eu - e nessa altura a maioria dos eleitores - considero necessárias. Não me interessa o poder para fazer mais do mesmo. O poder só vale a pena para fazer a diferença.

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