sexta-feira, setembro 07, 2007

O Silêncio dos Inocentes

[publicado no Diário de Aveiro, 7 de Setembro de 2007]


Há duas semanas foi conhecido o primeiro caso de financiamento ilegal a um partido em Portugal. A Somague, empresa de construção civil, pagou ilegalmente uma factura de 233 mil euros de despesas do PSD com as autárquicas de 2001.

Nestas duas semanas o que aconteceu? A notícia correu rápido para fora dos ecrãs e a comunicação social alimentou a confusão, como se esta ilegalidade fosse equiparável às irregularidades de processamento que ocorrem nas finanças dos partidos e que originam multas. Se este financiamento PSD-Somague tivesse ocorrido com a lei actualmente em vigor seria punível com pena de prisão.

Os representantes das empresas do sector, ao terem conhecimento desta ilegalidade que poderá ter viciado o regular funcionamento do mercado com o favorecimento de uma empresa em detrimento de outras, estranhamento recusaram-se a comentar. Aparentemente não os preocupa.

O PS, que teria tudo a ganhar com a miséria alheia, preferiu afirmar que o financiamento dos partidos está a melhorar e a desvalorizar o sucedido. O CDS-PP incomodado por submarinos e sobreiros optou por não dizer uma única frase sobre o sucedido.

O Presidente da República, sobre um assunto central para a qualidade e credibilização da nossa democracia, não teve uma palavra. O rigor no financiamento dos partidos é uma questão que não faz parte da sua agenda. Parece que rigor é só para as estatísticas, como defendeu numa conferência na mesma altura.

No PSD ninguém teve conhecimento. A culpa é sempre do porteiro. José Luís Arnaut “assumiu” a responsabilidade tendo o cuidado de realçar que não teve conhecimento e que teria delegado a questão financeira no seu adjunto. Adjunto esse que meses mais tarde era Secretário de Estado das Obras Públicas e que um dos seus primeiros actos nessa qualidade foi adiar a concessão de uma auto-estrada contestada pela Somague.

Ora, assumir a responsabiliadde não é uma coisa que se diz para apaziguar a nossa conscência colectiva. Assumir a responsabilidade é necessariamente justificar os motivos que levaram uma empresa de construção civil a pagar ilegalmente e às escondidas 233 mil euros ao PSD. Nem que a justificação seja o coração aberto dos beneméritos, é preciso que seja dada aos portugueses.

Durão Barroso – Presidente do PSD na altura dos factos e, volvido um mês, Primeiro-Ministro de Portugal – nada teve e nada tem a dizer aos portugueses, recusando-se a comentar. Escreveu ao Presidente do Parlamento Europeu dando conta de não ter tido conhecimento nem intervenção neste financiamento. Contudo, as explicações não convenceram todos os eurodeputados e um grupo parlamentar já exigiu à Comissão Europeia que forneça toda a documentação relativa a negócios da Somague que beneficiaram de apoios comunitários. Estes eurodeputados sustentam que já em 2005 tinham havido suspeitas sobre uma concessão na Bulgária à Somague.

Temos mais mais uma vez uma Europa a duas velocidades. Uma Europa interessada em esclarecer cabalmente o caso, e Portugal onde todos o querem esquecer rapidamente. À semelhança do que se passa em Bruxelas, espero que a Procuradoria-Geral da República averigue todos os negócios ocorridos entre o Estado Português e a Somague na vigência dos Governos de Durão Barroso e Santana Lopes, possibilidade já admitida mas que parece demasiado distante. Para a credibilização da política e transparência da democracia é essencial o total esclarecimento do caso.

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