A mão invisível é tão invisível que nem se vê
O meu texto abaixo, sobre a criação e injecção de 300 mil milhões de euros em duas empresas financeiras americanas motivou motivou uma resposta do Carlos Martins no seu blogue. Como qualquer neoliberal que se preze, padece do mesmo mal que os comunistas ortodoxos: julga que a sua crença é científica. Julga que a resposta a uma pergunta política é uma certeza económica. Para mais, julga que só há dois tipos de economia possíveis, simplificando, as de Milton Friedman e Keynes, quando na verdade ambos defendem a economia de mercado. Aí sim, como dizes, o sistema bancário é central na economia já que na prática controla a quantidade de dinheiro produzido e em circulação, condicionando a inflação e a taxa de juro. Daí que fales do teu paradigma para dentro do teu paradigma, sendo que estou fora. Mas respondendo à tua resposta:
1. De facto os bancos são empresas especiais... porque produzem dinheiro a partir do nada. Quem não gostaria de ter um negócio destes!? Os bancos emprestam dinheiro que não tem aos seus clientes, e então pedem ao banco central que faça mais dinheiro, e nem sequer é preciso imprimi-lo, basta inserir os dígitos no computador (os bancos também podem pedir dinheiro a outras empresas financeiras, que por sua vez podem pedir ao banco central). Mas o moral da história é que criam dinheiro a partir do nada, não correspondendo ao dinheiro armazenado do débito dos clientes (ou a ouro ou a outro elemento improdutivo).
2. É evidente que tendo o poder de produzir dinheiro, o sistema exige que as empresas dêem um sinal de que tem capacidade financeira para fazer face ao créditos que emitem e à moeda que exigem que os bancos centrais produzam (num arrendamento vulgar e noutros negócios também se paga uma caução, os bancos não são um caso assim tão especial). Não obstante, o crédito concedido pelos bancos é incomensuravelmente superior aos débitos que possuem.
3. Neste ponto, o Carlos Martins arruína os próprios princípios da economia que defende. O Estado vê-se forçado a nacionalizar o prejuízo ou a própria empresa para a salvar, zelando pelo interesse comum e não partindo da sua vontade intrínseca e do seu interesse na aquisição da empresa. O Estado apenas intervém para salvar o mercado, afinal onde está a mão invisível?
4. Este é o ponto que considero mais relevante, já que o Carlos considera que conferir liquidez ao mercado de hipotecas - como foi o caso com o surgimento destas empresas - é uma «política social»!! Portanto, pagar uma casa pelo preço de duas - embora que ao longo do tempo - é um política social. A mim parece-me uma forma de garantir que o capitalismo tem sempre uma injecção de dinheiro e crescimento económico, já que os empréstimos fazem com que a quantidade de dinheiro existente e em circulação seja superior.
Em suma, não me interpretem mal. Acho fantástico um negócio que consiste em produzir dinheiro a partir do nada, ou antes, a partir das dívidas de terceiros. Aliás, certamente todos nós gostaríamos que o Estado também nos desse o alvará de produção de dinheiro! Ainda para mais, tendo a garantia de que caso a coisa dê para o torto, o papá Estado assume o risco e salva-nos da falência.
A tua pergunta final é demasiado complexa para ser respondida de rajada, já que envolve inúmeros parâmetros como o ciclo de consumo/produção, o valor social e de uso, a organização laboral, a propriedade enquanto conceito ou objecto, formas injustificadas de enriquecimento, etc, ...
A política é a forma que, enquanto sociedade, entendemos que a própria sociedade se deve organizar. A técnica, tal como a economia tem como missão adaptar-se à organização social escolhida democráticamente, tornarem-na possível e melhora-la, nunca o contrário. Senão, para a próxima até podemos discutir o mecanismo pelo qual certos animais respiram enxofre e não oxigénio.
2. É evidente que tendo o poder de produzir dinheiro, o sistema exige que as empresas dêem um sinal de que tem capacidade financeira para fazer face ao créditos que emitem e à moeda que exigem que os bancos centrais produzam (num arrendamento vulgar e noutros negócios também se paga uma caução, os bancos não são um caso assim tão especial). Não obstante, o crédito concedido pelos bancos é incomensuravelmente superior aos débitos que possuem.
3. Neste ponto, o Carlos Martins arruína os próprios princípios da economia que defende. O Estado vê-se forçado a nacionalizar o prejuízo ou a própria empresa para a salvar, zelando pelo interesse comum e não partindo da sua vontade intrínseca e do seu interesse na aquisição da empresa. O Estado apenas intervém para salvar o mercado, afinal onde está a mão invisível?
4. Este é o ponto que considero mais relevante, já que o Carlos considera que conferir liquidez ao mercado de hipotecas - como foi o caso com o surgimento destas empresas - é uma «política social»!! Portanto, pagar uma casa pelo preço de duas - embora que ao longo do tempo - é um política social. A mim parece-me uma forma de garantir que o capitalismo tem sempre uma injecção de dinheiro e crescimento económico, já que os empréstimos fazem com que a quantidade de dinheiro existente e em circulação seja superior.
Em suma, não me interpretem mal. Acho fantástico um negócio que consiste em produzir dinheiro a partir do nada, ou antes, a partir das dívidas de terceiros. Aliás, certamente todos nós gostaríamos que o Estado também nos desse o alvará de produção de dinheiro! Ainda para mais, tendo a garantia de que caso a coisa dê para o torto, o papá Estado assume o risco e salva-nos da falência.
A tua pergunta final é demasiado complexa para ser respondida de rajada, já que envolve inúmeros parâmetros como o ciclo de consumo/produção, o valor social e de uso, a organização laboral, a propriedade enquanto conceito ou objecto, formas injustificadas de enriquecimento, etc, ...
A política é a forma que, enquanto sociedade, entendemos que a própria sociedade se deve organizar. A técnica, tal como a economia tem como missão adaptar-se à organização social escolhida democráticamente, tornarem-na possível e melhora-la, nunca o contrário. Senão, para a próxima até podemos discutir o mecanismo pelo qual certos animais respiram enxofre e não oxigénio.
Etiquetas: capitalismo, fantasias liberais
4 Comments:
Metendo a foice em seara alheia, e passando ao lado do "fazer dinheiro do nada" (gosto da ideia de trabalho ainda ser sinónimo de actividade transformadora, como se apenas os operários fossem trabalhadores), só deixo aqui um pequeno ponto descurado em todas as análises: os milhares e milhares de emprego que os bancos capitalistas geram. A quantidade de recém-licenciados absorvidos no mercado de trabalho pela banca. Acabem com os lucros da banca, das gasolineiras e de todos os "papões" do capitalismo, e vamos todos sorridentes viver do fundo de desemprego. Mas esperem lá... nessa altura quem é que nos paga os subsídios? Será que passa a ser o Estado o glutão? E quem passa a controlar o Estado?...
Parece-me que não meteste a foice em lado nenhum. Não comentas, não analisas nem em nada te referes à realidade de que estamos a falar: um "subsídio" de 300 mil milhões de dólares a duas empresas financeiras. Deduzo que também o consideres "normal" e aceitável!
Apenas repetes a cassete liberal de algibeira. Não sei a que propósito surge aqui o tema subsídios de desemprego! Quantos milénios são necessários para que esse subsídio atinja um valor igual aos 300 mil milhões de euros!?
No caso presente o Estado interviu na economia e à força toda, para salvar duas empresas da falência, usando para isso até 300 mil milhões de dólares!!
A resposta de Carlos Martins ao post anterior cai no erro/arrogância de tentar usar conhecimento profissional para superiorizar a sua opinião...enfim.
Acontece que discutimos uma decisão política que veicula dinheiros públicos, discute-se política porque se discute a decisão de um Estado em aplicar dinheiro público para salvar duas instituições privadas financeiras.
Já agora, fazendo a análise de algumas coisas que o mesmo disse:
1. É óbvio que um banco é uma entidade especial, e é-lo por diversas razões, não só pelas que lhe possam parecer mais óbvias. As que o Nelson apresenta são verdadeiras.
2. Aqui há um abuso da palavra especial, porque o banco terá uma "obrigação especial" com o banco de Portugal...ok, obrigadinho. As outras empresas também têm obrigações especiais que a banca não tem...no sector da saúde, a responsabilidade de salvar vidas e respeitar a decisão dos doentes, no sector da defesa o dever de intervir em situações de risco e salvaguardar os cidadãos. Exprimido este argumento eu pergunto-me, qual era o objectivo desta alínea, mostrar que no meio da imensa irresponsabilidade social das instituições bancárias estas pagam o seu "quinhãozito" ao banco de Portugal?
3. Por um lado insinua que quem não viu a "evidência" será por falta de conhecimento, mas depois diz das maiores asneiras que se podia dizer, mesmo se não tivesse conhecimentos na área.
"O mesmo se aplica à equity destas empresas. O Estado se por acaso tiver que comprar acções de alguma destas empresas, fá-lo-á a um preço extraordináriamente baixo (quem sofre serão os "odiados" "jogadores"), pelo que os contribuintes farão ainda um excelente negócio (privatizaram caro e agora recompram barato...). A equity em caso de falência vale ZERO."
Quer dizer, os accionistas que, "por acaso", estavam em risco de ver as acções a valerem zero, porque a empresa falia, vão ser altamente "prejudicados" porque o Estado até as poderá comprar a um preço baixo...mas que asneirada grossa. Se fosse um mau negócio, os accionistas podiam se recusar a vender as suas acções, de que adianta falar da equity, se se ignora o básico.
Mais asneira, com que então os contribuintes farão um bom negócio, sinceramente, mas os contribuintes aqui só entram com o dinheiro, não sentirão nunca no bolso uma eventual valorização das acções. Enquanto contribuinte ninguém poderá dizer que é dono de acções daquelas empresas, até porque "desconfio" que "não deve haver acções que cheguem" para os contribuintes americanos. Era caricato, porque a empresa estava num mercado onde não havia accionistas concorrentes, eles estavam todos nessas empresas...porreiro pá.
O facto da equity ser zero em caso de falência só serve para salientar um ponto, a fraca responsabilização das sociedades por acções (cujo estatuto jurídico lhes garante que serão apenas responsabilizadas pelo seu capital social, mesmo que a dívida a isso ascenda).
Ninguém no mercado dará um chavo por aquelas acções, mas se o Estado as comprar passa a ser um bom negócio...isto diz muito da seriedade da argumentação.
O Tesouro americano vai injectar dinheiro para que uma entidade privada possa cobrar juros sobre empréstimos para os quais não tem cobertura real. Isto é política, as medidas económicas são apresentadas como muitas vezes de controle e contenção para quem depende de salários, mas injecta-se dinheiro virtualmente no mercado, a troco de nada, só para que entidades privadas possam continuar a trocar nada por dinheiro. Isto é um escândalo, não é algibeira ideológica, é óbvio demais para tentar atirar areia para os olhos. A "mão invisível" está a tomar uma posição política clara ao dar dinheiro ao desbarato a quem não produz nada, está a dizer que não valoriza o trabalho físico, intelectual e que, por oposição ao fraquinho discurso da meritocracia, sairá sempre em socorro de quem já tem todas as regalias a troco de nada. O Estado norte americano mobiliza-se no sentido de enriquecer instituições que, não distribuem, não produzem e aprisionam quem efectivamente produz alguma coisa a sistemas virtuais de empréstimo. Numa sociedade verdadeiramente justa, não existe crédito, porque ele não é preciso.
4. O "american dream" é discutível, até porque não concebo sociedades de sonho com a clivagem social que os EUA têm, muito menos quando direitos básicos como o acesso a cuidados de saúde não são assegurados, para viver o sonho americano, primeiro, convém estar vivo, ou pelo menos com saúde suficiente para tal... Mas quem alimenta uma face da sociedade que efectivamente vive o sonho americano, são coisas menos "líricas", é um arsenal de guerra imenso, e com isso o poder de controlar geo-estrategicamente os recursos essenciais a outras economias. Mas para quem vive em sonhos, isso pode parecer muito difícil de aceitar.
João Dias,
Nem mais. Muitos pontos interessantes no teu comentário. Uma empresa em falência em que ninguém lhe pega é um excelente negócio...
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