sexta-feira, maio 11, 2007

A universidade de mercado

[publicado no Diário de Aveiro, 11 de Maio de 2007]

No passado sábado, o Governo aprovou um diploma de “Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior”que estabelece que as universidades e institutos politécnicos se possam transformar-se em Fundações, passando a obedecer às regras de direito privado. Assim, as contas das universidades deixarão de contar para o défice. É o Estado de saída das universidades.
Esta medida trata-se de um passo decisivo para a privatização do ensino superior em Portugal. E quais as vantagens de o manter público? A gestão pública e a gestão privada/empresarial do ensino tem objectivos e processos diferentes. Porém, mesmo sem o passo final – a privatização – os sucessivos Governos encarregaram-se de ir retirando do ensino superior o interesse público e colectivo em prol dos interesses do mercado.
As universidades têm condições para ser um pólo de fomentação da consciência crítica, discussão e cidadania, essenciais ao desenvolvimento da sociedade e da democracia. Uma pequena multidão povoa a universidade, pessoas com vivências, passados e origens diferentes que aí se cruza, se conhece e se une. A este pequeno universo cosmopolita junta-se a discussão (diz-se leccionação) e experimentação dos conteúdos das mais diversas áreas: do conhecimento filosófico ao cientifico, passando pela técnica. Nesta mistura o ingrediente mais precioso é o tempo livre detido pela componente estudantil da comunidade.
A questão do tempo livre do cidadão, podendo parecer acessória, é uma questão ideológica central. O mercado “livre” pretende que o progresso técnico sirva para um crescimento infinito de bens, enquanto que para a esquerda socialista o progresso técnico serve para a redução da jornada de trabalho e o aumento do tempo livre.
Mesmo sendo públicas, os sucessivos Governos imprimiram uma direcção de mercado às universidades. O objectivo da gestão privada visa o lucro. Com os cortes orçamentais, e ao atribuir a competência de fixar o valor das propinas às universidades, o Estado lavou as mãos da responsabilidade de financiamento do ensino superior e habituou as universidades a viverem para o lucro; o estudante que pague.
O interesse público da educação reside no aprofundamento da democracia, na supressão de desigualdades sociais, no desenvolvimento social, na busca de conhecimento fundamental e aplicado, em suma, no aumento da qualidade de vida. Para a gestão empresarial da educação estas questões não são quantificáveis monetariamente, logo nada tem a lucrar em as manter, quanto muito poderia consenti-las caso não fossem obstáculo ao lucro. A lógica empresarial da educação visa o lucro no processo de formação e o seu resultado final deve ser a resposta às necessidades do mercado. Assim, o objectivo do ensino consiste apenas no acréscimo de produtividade que confere ao trabalhador. Desta forma, o intuito não é a formação do cidadão, mas sim a formatação do trabalhador. Nesta lógica, o ensino abandona os conteúdos para conferir competências e aptidões; da mesma forma, dá-se lugar à compartimentação da formação e à especialização do conhecimento.
As disciplinas do conhecimento sem aplicação empresarial e produtiva não representam lucro, pelo que são dispensáveis. Recentemente, o Governo mostrou que alinha por esse diapasão ao retirar a obrigatoriedade do exame de Filosofia no 12º ano de escolaridade.
Para além destes factores, a economia de mercado operou transformações sociais que se repercutem na vivência da universidade. A precarização das relações laborais, o aumento do custo de vida e o fim do ensino gratuito ditou que muitos estudantes universitários trabalhem e façam biscates para suportar os custos da sua formação. Reduz-se assim o ingrediente indispensável: o tempo livre. Temos portanto que o cidadão se torna produtivo mais cedo, e de forma mais precária, para pagar os estudos cuja função é torná-lo um trabalhador mais produtivo e especializado.

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