Pior que morrer é não pagar
Hoje o correspondente da RTP que segue a cimeira do G20 em Cannes, aproveitou a veia cinematográfica da cidade para traçar um argumento para a crise europeia. Referindo-se à situação na Grécia, dizia que se tratava de um paciente a quem o hospital estava a dar medicamentos, sendo que após a cura o país os pagaria. O problema agora é que o paciente parece não querer tomar os medicamentos o que o pode levar à morte e, pior, morto não os pode pagar. O repórter parecia querer reproduzir o discurso dominante dos “gregos mal-agradecidos” mas acabou a partilhar aquela que é a ideologia da Europa do capital. O repórter chamava a isto um filme de terror. Tem razão. Quando, perante a morte de um povo, a nossa preocupação é que assim não pode pagar a dívida agiota à banca sabemos que chegámos ao grau zero da Humanidade. Mas a metáfora é certeira, reflecte na perfeição a realidade dos tempos que correm: antes a morte que a dívida.
Na Grécia, face à convulsão social e possivelmente em desespero, o Primeiro-Ministro anunciou um referendo ao “resgate” europeu. Já se sabe, os mercados não gostam da democracia, esse conceito absurdo dos povos decidirem o seu próprio destino. Depressa nas televisões, ouvimos os especialistas em economia anunciar a desgraça dado que os mercados não gostam de incerteza e que essa deve ser evitada a todo o custo. Curiosa formulação, já que os “mercados” se fazem remunerar precisamente pelo grau de incerteza e que no caso grego elevaram essa remuneração ao grau de saque.
Merkel e Sarkosy também tem uma palavra a dizer sobre a democracia grega e convocaram George Papandreou para uma reunião informal de emergência. Informal significa que não tem cabimento legal, mas dá-se o jeito. A grande jogada agora é a pergunta do referendo. O líder grego é ambíguo, a vontade da alemã e do francês é mais explícita: sim ou não à permanência no euro. Ou seja, colocar o povo grego perante a pergunta de como querem recuar décadas. Com austeridade a prestações ou de uma só vez. Uma pergunta popular para dar força à austeridade, mas o que importa perceber é que é a austeridade está a matar a Europa e os seus povos. Austeridade não significa gastar menos, é apenas sinónimo de transferência de riqueza do trabalho para a elite financeira. Mais trabalho por menos salário, mais impostos por menos serviços públicos, mais desemprego com menos apoio social.
Face a estes desenvolvimentos, o governo português que segue os passos que trouxeram a Grécia a esta situação congratula-se. Paulo Portas defende que “quanto mais surgem sinais de instabilidade nos outros países mais Portugal deve valorizar a estabilidade e os consensos”, que é como quem diz “ainda bem que o PS está do nosso lado”. Na Grécia, como em Portugal e em toda a Europa, a crise não se resolve a remodelar a austeridade. A austeridade é uma das faces da crise, impõe-se uma alternativa solidária para o emprego e direitos sociais.
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