A comida está cada vez mais cara. Nos últimos seis meses, o preço mundial do trigo e do milho aumentou 57%, o arroz 45%, o açúcar 55%. No último ano, a inflação dos produtos alimentares atingiu 21% no Egipto e 17% na Índia. Em apenas três meses, o preço do arroz aumentou 100% na Mauritânia e o milho 57% em Moçambique. Mais de mil milhões de pessoas passam fome no mundo. Esta realidade vem piorar a situação.
Com o colapso dos mercados financeiros, os investidores passaram a especular em mercados mais seguros como o dos produtos alimentares. Já desde o colapso das dotcoms, em 2001, que se regista este influxo. Mas foi com a crise subprime em 2007/08 que ocorreu a grande deslocação, resultando na duplicação do preço dos alimentos básicos e juntando 150 milhões de pessoas à lista dos que passam fome no planeta. A resposta não se fez esperar com motins em mais de trinta países. De momento, a situação ainda não está tão dramática como há dois anos, mas os sinais de alerta de uma nova crise alimentar estão aí, assim como os protestos, para já em Moçambique, Egipto, Sérvia e Paquistão.
A tendência de preços altos pode ainda ser agravada com os efeitos das alterações climáticas que destruíram parte das colheitas na Rússia e Paquistão, e que obrigaram já vários países a rever em baixa as suas previsões. Um relatório1 recente vem também mostrar que há cada vez menos solo agrícola: a cada ano perdem-se cinco a dez milhões de hectares devido à degradação ambiental e mais vinte milhões convertidos para uso industrial ou urbanização. O crescente uso do solo e/ou alimentos para produção de energia é outra das agravantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, 30% do milho colhido em 2008 foi transformado em bioetanol.
As próprias Nações Unidas reconhecem2 que estes preços elevados se devem em muito à “especulação dos investidores institucionais que não têm nenhum conhecimento ou interesse em produtos agrícolas”, e que apenas investem aí porque os mercados financeiros secaram. O mercado dita que se pode remeter parte da população mundial para a fome, a penúria e a morte. O mercado dita que não só esse é um acto legítimo, como é louvável, meritório e merecedor da devida retribuição financeira. O mercado está errado. É tempo de nos libertarmos da sua ditadura.
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1 “Access to Land and the Right to Food”, Report of the Special Rapporteur on the right to food presented at the 65th General Assembly of the United Nations [A/65/281], 21 October 2010
2 “Food Commodities Speculation and Food Price Crises. Regulation to reduce the risks of price volatility”, Briefing note by the Special Rapporteur on the right to food, September 2010