quinta-feira, abril 22, 2010

Adeus Lenine


No dia em que Lenine faria 140 anos, nada melhor que publicitar o recente blogue "Adeus Lenine". O nome é elucidativo.

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quarta-feira, abril 21, 2010

Cochabamba

Publicado no esquerda.net


A América Latina tem invariavelmente concedido os seus serviços públicos e os seus recursos naturais aos desejos vorazes de concentração de riqueza. Carlos Slim é o mais rico entre todos os ricos do planeta e assim o é à custa da privatização da companhia de comunicações do México. Eike Batista, ocupa a oitava posição da lista e foi quem mais enriqueceu no último ano graças aos seus negócios com recursos naturais. Slim e Batista são a face desta política, assim como o são os milhões de excluídos do acesso aos serviços e bens mais elementares à vida.

Há dez anos, em mais uma destas histórias, o Banco Mundial declarava que só renovaria o empréstimo à Bolívia se esta privatizasse o serviço de abastecimento e saneamento de águas. O governo boliviano, liderado por Hugo Banzer - antigo ditador, entretanto eleito Presidente - acedeu, fabricou uma lei especial para o caso e concessionou as águas da cidade de Cochabamba ao único consórcio licitante.

A nova lei concedia ao consórcio o monopólio da água, com possibilidade de reivindicar o direito às fontes e aos sistemas comunitários de abastecimento, alguns dos quais construídos originalmente no Império Inca. O consórcio não se fez rogado e aumentou imediatamente os preços do abastecimento para valores incomportáveis para a população já de si pobre.

O resultado foram uma série de confrontos sociais conhecidos como a Guerra da Água de Cochabamba e que, apesar da declaração de estado de sítio, da violentíssima repressão policial e militar e da revogação do aumento do tarifário da água, se foi alastrando a outras regiões do país e a outras exigências sociais na área da economia e do emprego e durou vários meses só terminando quando a privatização foi anulada e o sistema de águas foi entregue à comunidade em Abril de 2000.

Volvida uma década, parte da América Latina mudou. As políticas geradoras da desigualdade social e de proliferação de oligarcas já não são uma inevitabilidade. Na Bolívia um manifestante desse conflito social, Evo Morales, ganhou as eleições presidenciais precisamente ao Alcalde de Cochabamba da altura e convoca agora a Conferência Mundial dos Povos sobre as Alterações Climáticas e os Direitos da Mãe Terra para essa cidade. Aí se reúnem esta semana activistas e movimentos sociais, ambientalistas e campesinos.

Não podemos esperar mais. O planeta não pode esperar mais. Enquanto sociedade, exploramos os recursos do planeta acima do sustentável. Esse processo de exploração não é dirigido para as necessidades de todos nem os seus resultados são repartidos por todos. Criamos assim problemas climáticos e simultaneamente distributivos. Quem menos contribuiu para o aquecimento global é quem mais sofrerá com ele, seja pela sua localização geográfica seja porque não beneficiou desse enriquecimento e não dispõe de mecanismos de sobrevivência.

A Conferência dos Povos parte do reconhecimento destes problemas ambientais, distributivos, e da dívida ecológica. Recusa porém a guerra e a ocupação de mercados e territórios, pelo controlo de água e recursos energéticos, como resposta à crise ambiental. O seu principal objectivo é a democratização, nomeadamente através de um referendo mundial que dite a estratégia perante as alterações climáticas, da criação de um tribunal para a justiça climática, da criação da Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra e da criação de um organismo paralelo às Nações Unidas para reforçar políticas ambientalistas.

Poderemos ainda estar longe de um movimento democrático de massas, mas Cochabamba liberta a discussão do jugo do mercado e dá voz a quem a deve ter: os povos, cidadãs e cidadãos de todo o planeta. É tempo para uma economia que nos sirva a nós e à natureza, e não que se sirva de nós e da natureza.

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quarta-feira, abril 07, 2010

O cowboy de sofá




O João Oliveira do alto da sua sapiência desafia-nos a reflectir "sobre se estas mortes são ou não razoáveis". Estou certo de que as vítimas inocentes e as suas famílias ficarão bem mais tranquilas se considerarmos estas mortes "razoáveis"! JMO dá o seu veredicto: "[d]epois de ver o filme, entendo perfeitamente que tenham sido mortes colaterais", é este o ponto de partida para a sua reflexão idiota.

Interpretação freestyler

JMO é dos duros, "[p]odiam não ter morrido mas a interpretação dos soldados no helicóptero era perfeitamente, na minha opinião, legítima". Não o incomoda portanto que tenham aberto fogo sobre quem não tinha qualquer arma ou disparou qualquer tiro; que tenham aberto fogo sobre quem recolhia um ferido; que veículos passem por cima dos cadáveres; que as crianças feridas tenham sido desencaminhadas de um hospital americano e colocadas nas mãos da polícia iraquiana e enviadas à sua sorte para a espera num hospital iraquiano sem qualquer garantia; que após o acontecimento as altas patentes norte-americanas tenham mentido deliberadamente para esconder o incidente; que o site que prestou o serviço público de divulgar este vídeo seja agora, e por esse motivo, considerado como um perigo para a segurança nacional pelo Pentágono.

Se com a interpretação acima já desconfiávamos, ao afirmar que nesta guerra "não se distingue muito bem o inimigo...", JMO declara o seu lado da trincheira e, mais importante, retrata-nos involuntariamente a natureza imperialista desta guerra: o seu inimigo é em potência todo um povo.

As "regras" da guerra

Mas a astúcia de JMO vai mais longe, "[n]ão queiram seguir as convenções normais do dia a dia mas sim as "regras" da guerra". Sim, de facto como há pessoas como o JMO é preciso prevenir e a guerra tem regras, que dizem por exemplo que os feridos que se arrastam no chão não podem ser abatidos e que deve ser garantido tratamento às crianças feridas.

JMO está confortável, este foi apenas mais um aborrecido dia de chacina de inocentes: "[n]a minha leitura, isto apenas mostra o dia a dia da guerra e de como as armas estão mais eficazes". Aliás, este vídeo mostra bem a eficácia das armas sobre inocentes desarmados, mas JMO não se deixa impressionar e prossegue "[p]orque pensem: se este tipo de armas não estivesse possível, quantos casos de verdadeiros inocentes não estaríamos agora a criticar". Este tipo de armas está disponível e matou inocentes, mas JMO não se deixa que o seu raciocínio seja perturbado pela realidade.


He-Man, ou como havia guerra antes do capitalismo

Como a realidade dos factos não lhe interessa, JMO saca do bolso as suas referências históricas: "não se esqueçam que antigamente matava-se primeiro (ou napalm neles) e depois via-se quem era os inocentes". Aqui o nosso pistoleiro de algibeira volta a declarar o seu lado, não apenas se reportando ao presente mas deixando bem claro que se há tipos que são do Sporting de Braga desde pequeninos, JMO ainda não era nascido e já estava do lado dos cowboys. Mas a sua Histórica de albibeira não apaga os factos. É exactamente a existência destas armas que facilita e potencia a morte de civis, quer por factores tecnológicos quer por motivos psicológicos. Ao contrário da tecnologia bélica que acompanhou a maior parte da História da Humanidade, nos últimos séculos tornou-se possível matar à distância permitindo enganos (ou desejos) técnicos, mas também desumanizar a morte, torna-la invisível e conferir-lhe ainda um carácter quase lúdico.


Os videogames também tem armas eficazes

"Analisem as razões primeiro, as razões. Estamos a falar dos arredores de Bagdade, há três anos". Pois analisemos as razões primeiro, reportando-nos ainda às regras da guerra referidas por JMO. De facto, estes militares e toda a força cowboy e aliada invadiu o Iraque contra o direito internacional, usando uma mentira como justificação para essa violação da lei.

"Não julgue-mos os militares" (escreve-se sem hífen). Os que cometeram os actos no filme - e outros similares - devem ser claramente julgados, não um julgamento moral como parece ser sugerido, mas sim em tribunal próprio para o efeito. Mas de facto, a maior parte dos soldados cowboys são filhos de trabalhadores que também se viram despojados do seu próprio corpo e, sem outra opção, foram ganhar uns tostões para o exército para que a classe dirigente e dominante se deleite nos milhões gerados pela apropriação dos recursos naturais da Mesopotâmia. A estes, que são donos do sistema, ninguém senta no banco dos réus.

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