segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Da internet à Praça Tahrir

Entrevista a Ahmed Maher e Mohammed Adel, activistas do Movimento 6 de Abril
Publicada no BE Internacional e no esquerda.net
Cairo, Egipto.


O Egipto fervilha. O ditador caiu mas muitos dos seus antigos governantes mantém-se no poder e o exército conduz a transição. No meio deste processo entrevistamos activistas do Movimento 6 de Abril, um dos movimentos na base da agitação popular no Egipto.

A cada minuto o telemóvel toca. Ahmed Maher, engenheiro civil de 30 anos, vai rejeitando as chamadas durante a conversa. Por vezes interrompe por algum telefonema mais importante. Este é o retrato do ritmo frenético que se vive no Egipto e da importância que as novas tecnologias de comunicação tiveram na revolução. Ahmed faz parte de uma geração que não via grande perspectiva de futuro no país e que é movida por uma enorme vontade de mudança.

Uma greve geral que começou na internet

Em 2005 começaram a surgir vários movimentos da juventude pela mudança. Ahmed contactava regularmente com os comités locais de trabalhadores e escrevia online sobre as condições de trabalho, as greves e as lutas que encontrava. Foi um dos activistas que convocou um greve geral nos grupos do Facebook. A iniciativa teve um sucesso ímpar, a cada dia aderiam três mil pessoas. "Antes usava o Yahoo!Grupos e o blogger. O facebook era novo e popular e, acima de tudo, era a única destas ferramentas imune ao controlo governamental. Passou assim a ser a nossa ferramenta", relata. Mas não esquece a preciosa ajuda do Ministro do Interior que fez uma declaração sobre o movimento. Esse ataque governamental tornou a iniciativa imensamente mais conhecida do que aquilo que as acções do próprio grupo tinham conseguido até então.

O apelo surtiu efeito e a greve geral realizou-se a 6 de Abril de 2008 com um enorme sucesso. A luta iniciada na internet tinha passado para o mundo real. Na sequência do protesto, vários membros do grupo são presos e uma activista espancada mas a agitação social permaneceu. "É um movimento jovem que fala a mesma linguagem dos jovens. Usa o facebook, o twitter, as SMS. O protesto não é tradicional, os jovens vão para a rua cantar, fazem conferências e festas na rua. Tiraram membros da internet para o mundo real. Todos queriam conhecer a cara uns dos outros e para nos organizarmos era preciso esse contacto". É assim que Ahmed retrata a evolução do movimento. As suas actividades levaram a que em Julho desse ano tivesse sido preso. Durante essas duas semanas sentiu uma intensa tortura psicológica.

Da Tunísia ao Egipto, foi possível!

No início as manifestações juntavam mil a três mil pessoas. Surge contudo um imprevisto. "De repente houve uma revolução na Tunísia. Passou a haver a percepção de que afinal era possível". A partir daí a participação nas manifestações foi crescendo, até à revolução. Estava em curso um protesto no facebook, organizado por vários movimentos, contra o Ministro do Interior. Mas o que começou como uma luta contra as políticas de repressão, tornou-se quase inadvertidamente numa contestação a todo o regime de Mubarak.

Em Dezembro passado criaram o Movimento 6 de Abril, com um grupo facebook que juntava ainda mais pessoas que o anterior grupo da greve geral. A partir de 15 de Janeiro realizaram reuniões diárias de cinco horas onde desenharam mapas das ruas. Na internet publicaram os pontos, cinco no Cairo e dois em Alexandria, de onde partiriam as marchas para a concentração, no caso da capital na Praça Tahrir. Contudo, não se limitaram a esperar. Duas horas antes do inicio do protesto foram para os bairros pobres apelar à participação. A polícia já estava à sua espera nos locais marcados, mas não esperava que cada marcha juntasse mais de 20 mil pessoas. Ao verem a polícia a retirar perante a imensidão de gente perceberam que o protesto ia ser bastante eficaz. Perceberam que estavam perante uma revolução quando viram milhares e milhares de egípcios de todas as idades a juntarem-se em Tahrir. Nesse dia, 25 de Janeiro de 2011, ocuparam a praça onde ainda hoje continuam. Durante a noite a polícia atacou com violência, muitos membros foram presos. Milhares estavam em fuga procurando esconderijo nas áreas pobres. Este foi um ponto de viragem. "A partir daqui todas as pessoas passaram a agir sozinhas, sem a organização. Todos queriam participar". Pelo meio o regime ainda cortou a internet e as ligações telefónicas mas era demasiado tarde, Mubarak caía 18 dias depois.

Uma prioridade: a democracia

Para Ahmed Maher "as exigências políticas, sociais e económicas são apenas uma", não se tratam de coisas diferentes. Desconfia da ordem vigente, "não tenho ideia do que o exército quer. Os movimentos pediram muitas medidas mas o exército ignorou" explica, referindo que a táctica dos militares é ir adiando os assuntos de reunião em reunião sem qualquer decisão. Não se sente representado nas actuais forças políticas e pede que se criem "novos partidos e novas organizações".

Mohammed Adel, também activista do movimento 6 de Abril e prestes a entrar para o serviço militar, junta-se à conversa enquanto espera a ida para uma importante manifestação que os aguarda a minutos e metros de distância. Ambos têm bem definidas as suas prioridades políticas para o momento. Todas passam pela democratização do Egipto.

Em primeiro pretendem uma mudança imediata do governo que continua com muitos membros do anterior governo de Mubarak e com vários tecnocratas fiéis ao regime. Querem que o exército deixe de comandar o período de transição, defendendo que esse papel passe a ser desempenhado interinamente por um Conselho Presidencial composto por dois juízes e um militar. A abolição da lei de emergência e a libertação dos presos políticos é outra das suas exigências imediatas. Pedem ainda a dissolução do NDP, o partido do regime, assim como dos seus mecanismos de dominação. Por fim, pedem uma reorganização do Ministério do Interior.

E com isto partiram para a Praça Tahrir. Tinham uma revolução para concluir.

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domingo, fevereiro 27, 2011

Egipto: economia só há uma, estas duas e mais nenhuma!


Pelo que ouvi, há quem olhe de fora para o Egipto assim...
As medidas dos últimos 5 anos do governo de Mubarak foram acertadas ao desarticular as antigas políticas "socialistas" e estatistas que não eram eficientes. Essas privatizações geraram crescimento e melhoraram imensos índices macroeconómicos. Só houve um ligeiro problema destas novas políticas: a sua total falha no lado social, foram apenas em proveito de poucos e em nada beneficiaram a vida da população.
Curiosa análise, onde se retrata uma economia perfeita na estratosfera mas atroz na Terra. A tenacidade ideológica tem destas coisas. Felizmente o povo não foi em cantigas e acabou com 30 anos de oligarquia e extorsão.

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terça-feira, fevereiro 22, 2011

A diplomacia dos interesses

Por quem sóis, seja muito bem-vindo!
[8 de Dezembro de 2007]

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quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Multiculturalismo e conflitualidade social

Publicado n'A Comuna



A regra continua sólida. A direita só fala das culturas e de imigração quando discute segurança. David Cameron decidiu partilhar com a Europa que o multiculturalismo falhou. Não só falhou como deixou os jovens muçulmanos vulneráveis ao radicalismo.

As guerras que o “ocidente” exportou com base na mentira, as suas sucessivas violações dos direitos humanos, o recurso à tortura, Guantanamo, nada disto merece sequer uma menção honrosa. Para o primeiro-ministro inglês, o radicalismo islâmico e o terrorismo devem-se às políticas de integração e não às políticas de terrorismo de estado contra os povos.

Na Conferência de Segurança de Munique defendeu que os imigrantes devem aprender a falar inglês e que as escola têm que ensinar “a cultura comum do país”. Nunca se viu Cameron tão preocupado com a escola e com a sua função social. Na Inglaterra aumentou o valor das propinas de 3.290 libras para valores que podem atingir 9.000 libras. Não lhe é reconhecida nenhuma paixão, ainda que platónica, pela educação. Contudo, vê na escola o alicerce para uma das suas políticas basilares: a uniformização cultural. Cameron não deixa dúvidas, para si, a escola pública é um aparelho de dominação ideológica e cultural.

Considerar que o multiculturalismo falhou parte de um engano e é uma ideia perigosa. É errado que a Europa, ou no caso cada um dos seus estados-membros, tenha apenas uma cultura homogénea e hegemónica. A diversidade cultural é a própria raiz da Europa. Mas a ideia é perigosa. Primeiro, ao longo dos séculos, a identidade cultural dos povos da Europa foi moldada a ferro e fogo, por deportações, tortura e assassínios em massa. Não é certamente isto que queremos replicar. Em segundo, que cultura definimos como a europeia ou britânica? Essa imposição cultural será sempre a das exclusões. A exclusão dos imigrantes, assim como a exclusão de milhões de cidadãos autóctones.

O nome e os motivos atribuídos a esta nova política de exclusão são elucidativos: “liberalismo musculado”, para reforçar os valores da igualdade e da lei junto dos elementos da sociedade. Nada de novo, este é o rosto da nova direita no continente. A imposição cultural e ideológica sob a capa da liberdade, a imposição das desigualdades sob a máscara da igualdade. É a agenda da velha direita de botas, mas agora com discurso de pantufas. Berlusconi e Sarkosy não eram meros excêntricos, foram a semente da nova direita que germina.

Mas o ponto mais relevante é o momento em que surge esta comunicação do “nós e os outros”. O torie tenta construir uma identidade britânica e europeia como se o confronto social estivesse guiado e se definisse pelo conflito entre culturas. A realidade contesta. A nível nacional, Cameron tem em curso um dos mais severos planos de austeridade da Europa. As contradições acentuam-se, a desigualdade social agrava-se, o protesto popular está na rua. Numa contexto diferente, é certo, também os povos do Egipto e da Tunísia – os “outros” – estão nas ruas. No Reino Unido, no Egipto, em Portugal e na Tunísia a luta é pela democracia, pelo direito dos povos escolherem o seu futuro, e por melhores condições de vida. É a sua condição de classe explorada que os coloca nas ruas.

Não é apenas mais fácil, é mesmo conveniente que Cameron diga que o multiculturalismo falhou. Dá-lhe o alibi para o neo-liberalismo. É em seu proveito que relata um mundo visto pela lente do choque entre civilizações. Tenta assim esconder a luta de classes.

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quarta-feira, fevereiro 02, 2011

O capitalismo arrebata-corações

Publicado n'A Comuna


O Conscious Capitalism é um think tank preocupado com o futuro de todos nós e encontrou uma forma de melhorar as nossas vidas: um capitalismo consciente "com o potencial de melhorar o desempenho das empresas e simultaneamente promover a qualidade de vida para milhares de milhões de pessoas". Explicam que este processo é "conduzido natural e internamente a partir de dentro das empresas", ilustrando ainda que tudo isto parte de um líder consciente que influencia um negócio consciente, que por sua vez gera um capitalismo consciente. Bem sei que pode parecer uma chatice e até anti-democrático que o desenvolvimento social e económico da Humanidade esteja dependente e seja ditado por meia dúzia de CEO's e do seu bom coração, mas há que confiar na sua ternura...


Essa ternura é bem visível quando se mostram preocupados com os nossos corações. Sobre a longa batalha do século XX esclarecem que, "embora o capitalismo de mercado livre tenha vencido de forma decisiva essa luta épica, falhou em capturar a mente dos intelectuais e o coração dos cidadãos". Dão ainda conta do seu profundo desassossego pelo facto das empresas, "provavelmente as instituições mais influentes do mundo", serem vistas como "gananciosas, egoístas, exploradoras" e "apenas interessadas em maximizar os lucros". Fossemos mal intencionados e pela leitura do seu site podíamos concluir que mais do que as condições de vida o que os move é manter-nos tolerantes ao sistema vigente. Felizmente, um dos seus embaixadores deslocou-se a semana passada a Lisboa para deixar bem clara ideia numa conferência para gestores de topo.

Roy Spence, que já trabalhou para Bush pai e Clinton, acredita que no futuro só as empresas que tem como propósito melhorar a vida das pessoas vão dominar o mercado. O experiente consultor empresarial vê esta crise como um momento ideal para isso mesmo, já que as pessoas "gastam cada vez menos" e, como tal, "se quisermos uma parte do dinheiro dos consumidores, temos de ter uma parte do desejo e vontade dos consumidores". Aí está uma bela forma de fazerem o dinheiro saltar dos nossos bolsos.

O excelso embaixador brindou a assistência, doutos CEOs portugueses, com alguns exemplos de empresas que já navegam nos mares da consciência. O Wal-Mart, que "poupa o dinheiro das pessoas para que vivam melhor". Ofuscado pelos preços baixos e, por ventura inconscientemente, o consultor deixou escapar os múltiplos atropelos laborais desta rede de supermercados, nomeadamente os baixos salários, as deploráveis condições de trabalho, a exploração de mão-de-obra imigrante "ilegal", as ilegalidades no trabalho juvenil, a parca cobertura do seguro de saúde, entre outras minudências. A sua fúria anti-sindicatos com pressões a trabalhadores e mesmo encerramento das lojas com demasiados sindicalizados também foram esquecidas. Igualmente, as comunidades dizimadas e as práticas predatórias de mercado não lhe tocaram o coração. A BMW, que "permite que as pessoas experimentem a alegria de conduzir", foi outra das nomeadas. Desengane-se quem procurava respostas para a mobilidade colectiva, eficiente e sustentável. O capitalismo, mesmo o consciente, declara-se. Não é seu objectivo melhorar a vida em sociedade, antes criar e dar resposta a caprichos individuais.

Vendo bem as coisas, Roy Spence, publicitário por excelência, foi de uma clarividência e utilidade extrema. "Wal-Mart: Save money. Live Better" e "BMW: sinta o prazer de conduzir" são isso mesmo, campanhas publicitárias ao serviço da conquista de mais e mais mercado. O capitalismo, mesmo este destinado a arrebatar corações, tem a exploração no seu código genético procurando apenas na cosmética e na boa consciência a força para se manter hegemónico e tolerado. Bem podem tentar dourar o capitalismo, mas foram e são as conquistas das lutas populares que nos dão melhores condições de vida!

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