quinta-feira, julho 21, 2011

A democracia das salas escuras e das palmadinhas nas costas


Ontem vi, pela primeira vez numa reunião da Assembleia Municipal (AM), ameaças de punho cerrado a deputados, o que levou um dos presentes a chamar a polícia. O relato está bem descrito aqui e aqui, onde são referidos elementos da direcção do Beira-Mar e elementos da coligação PSD/CDS-PP.

Já eram 2 horas da manhã e estávamos no início da suspensão de trabalhos que durou mais de uma hora para que PSD, PS, CDS e PCP negociassem às escondidas e apenas com os líderes de bancada presentes. Em causa, o contrato de cedência do estádio municipal ao Beira-Mar, chumbado anteriormente em reunião de Câmara. Esse chumbo só foi possível porque dois vereadores da coligação de direita votaram contra, tendo-lhes sido retirada a confiança política [saber o que está em causa].

«Em cinco horas, as bancadas do PS e do PSD mostraram na reunião da Assembleia Municipal de Aveiro que não seria possível um entendimento entre os dois partidos para viabilizar uma nova tentativa de aprovação do contrato de gestão do estádio municipal, a assumir pelo Beira-Mar mas em menos de uma hora, durante uma interrupção dos trabalhos, num encontro fechado, entre os líderes partidários, incluindo do PCP, CDS e BE, foi alcançado um acordo.»
De referir que o BE saiu da sala e da negociação quando se percebeu os contornos do arranjinho. Mais tarde foi solicitada novamente a sua presença e ficou ainda mais claro que se tratava não de uma negociação, mas de uma sessão de "uma mão lava a outra" entre os partidos comprometidos com as trapalhadas.

Tudo bons rapazes

Já com os ânimos calmos, ontem em plena AM a direcção do Beira-Mar dialoga com a Presidência da concelhia do PS (foto Notícias de Aveiro)

PSD/CDS-PP venderam o terreno das piscinas ao clube por 1,2 milhões de euros, numa madrugada de sábado, sendo imediatamente revendido pelo clube a uma imobiliária por 2,5 milhões. Tudo isto na presença do Presidente da Câmara. O clube recebeu o dinheiro mas, ainda não pagou à autarquia! Às autoridades judiciais, o Presidente da Câmara - que reteve o cheque do Beira-Mar até este expirar - disse ser licenciado em filosofia e que portanto não percebia nada de cheques!

No passado, o PS fez um protocolo com o clube em que entregava gratuitamente o uso do estádio ao clube e que em seguida alugava os camarotes desse mesmo estádio por 500 mil euros/ano! O actual Presidente do clube foi o cabeça-de-lista do PCP à Assembleia Municipal em 2005 e 2009 e hoje defende em tribunal que o clube não tem que pagar à autarquia o terreno das piscinas que revendeu!

Depois de cinco horas de divergência pública, o acordo foi conseguido longe do olhar de todos. Só assim poderia ser. Os bons rapazes precisavam de ficar bem na fotografia.

Entregar o estádio fingindo que o clube pagará o terreno das piscinas


Quando o Bloco foi solicitado a juntar-se novamente à reunião foi para ouvir a grande divergência que os prendia há uma hora naquilo. O PS queria que o clube fosse obrigado a apresentar uma garantia do pagamento da dívida; o PSD queria que o clube apresentasse apenas um plano de pagamento; o PCP ia dizendo que sentia que a apresentação da garantia não seria um problema para o Beira-Mar. O próprio presidente da autarquia foi chamado para garantir que o clube não tinha condições para pagar.

Lá chegaram a uma proposta de compromisso, que todos estavam conscientes ser letra morta mas que ficava bem na imprensa: essa dívida deve ser «“efectivamente liquidada ou com condições de pagamento” previamente à assinatura do contrato com a apresentação de garantias no prazo de 90 dias após as partes rubricarem o acordo». Primeiro entrega-se o estádio, três meses depois recebe-se a garantia de pagamento. Garantia para aquilo que sabem que garantidamente não será pago. O próprio Presidente do Beira-Mar garantiu-o logo de seguida em conferência de imprensa nas instalações da própria AM!!!

Quando a democracia é escondida do olhar de todos numa sala escura, é para isto...


Via Verde
Ainda na AM, pública, Miguel Fernandes - vereador que lhe viu retirada a confiança política e todos os pelouros - alegou fraudes à lei e financiamento ilegal de clube profissional de futebol. Numa AM extraordinária, observei a extraordinariedade de algumas coincidências:

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quinta-feira, julho 14, 2011

O PS no reino dos afectos

Publicado no esquerda.net

Na terça feira, os candidatos à liderança do PS tiveram o seu debate público na televisão. Na véspera tiveram uma enorme polémica, com António José Seguro a prometer introduzir no PS uma cultura de afectos e Francisco Assis a repugnar a ideia. Não se percebeu contudo o impacto prático desta divergência sobre as palmadinhas nas costas, nomeadamente no que diz respeito às adjudicações directas ou às contratações da parque escolar.
Não foi tema de debate, mas as divergências parecem ter saído sanadas “– Eu tenho muitos valores. – Eu também. – Óptimo!”. Assis garantiu ainda ter uma “linguagem e estilo” de fazer política muito diferente de Passos Coelho. Seguro não gostou da indirecta e retorquiu insatisfeito “Não sou igual a Passos Coelho”.
Foi preciso esperar para perceber que a maior diferença, mas também a maior semelhança entre os candidatos está no memorando CE/BCE/FMI. Assis está disponível para entendimentos com o governo de direita para políticas que vão além do memorando; Seguro fica-se “só” pelo memorando.
Porém, é mais elucidativo o que os une. Sobre o passado – PECs, nacionalização BPN, chamada do FMI, memorando, …, – nem uma única dúvida, uma hesitação, um lamento. Para o futuro asseguram de viva voz que toda e qualquer política do memorando é para cumprir. Formalmente, o PS não assinou o memorando da troika. Foi o governo que o negociou e assinou, a que se juntaram as assinaturas do PSD e CDS-PP. Mas nenhum dos candidatos ousa uma reflexão crítica ou sequer evocar esse formalismo para rejeitar qualquer medida FMI. Nenhum outro quadro do partido considerou que isso justificaria uma candidatura alternativa. Assis e Seguro demonstram que Sócrates não foi um pormenor, é esse o retrato do PS.
Quando a esquerda precisa de mais força no parlamento e nas ruas para proteger o emprego e o Estado Social, é este o Partido Socialista que nos prometem para os próximos anos. Voluntariamente amarrado ao governo de direita, comprometido com as políticas de austeridade, a condenar o país à recessão e ao desemprego, a liberalizar o despedimento e a instituir o despedimento “pague você mesmo”, a congelar as pensões mais baixas e a agravar a desigualdade social, a privatizar serviços públicos e a acabar com as golden shares.
Da esquerda à direita já muitos consideram a dívida impagável e a renegociação inevitável. A questão é quando a fazer e em que condições. A esquerda quer a renegociação agora, antes de destruir o país e a economia. A esquerda coloca como condição uma auditoria que apure o que realmente devemos, o que é dívida pública e privada, e qual a sua parte legítima. Todavia os candidatos à liderança do PS não vacilam. O memorando é para cumprir até à última linha, que é como quem diz a dívida é para pagar nos moldes traçados pelo FMI.
É essa a escolha do PS e da direita que insistem em colocar os trabalhadores, os pensionistas e os desempregados a pagar a factura, ainda que a mesma não lhes seja mostrada. À banca nada tocará. O caso grego mostra contudo que a realidade pode tardar, mas chega sempre. Também para eles chegará o dia da renegociação. Apenas o querem adiar para até lá garantir a acumulação e o sono tranquilo dos senhores da finança e do capital e para irem moldando a economia aos seus sonhos.

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sábado, julho 09, 2011

Investimento ou dinheiro à custa de decisões políticas?

Beira-Mar teme a desistência do "investidor" Majid Pishyar face ao chumbo da cedência gratuita do estádio municipal à SAD. Este chumbo só foi garantido com o voto contra de dois vereadores da maioria. O PP já retirou a confiança política a um, o PSD quer que a outra renuncie ao lugar. Já se sabe, Vereador não empata negócio! Não admira o medo da fuga do investidor, o investimento desde o início tem assumido a forma de gerar dinheiro à custa de decisões políticas. Gorando-se essa garantia, a coisa não dá retorno.
Também se sabe, os negócios não podem ser derrotados pela democracia. Autarquia e clube já procuram uma nova forma de levar o negócio a bom porto para agradar ao investidor.

Saí centro comercial para o investidor

Em Maio a Assembleia Municipal de Aveiro atribuiu uma declaração de interesse público para a construção um centro comercial multi-funções na zona do estádio. (A declaração permite alterar o estatuto do solo de uso florestal para construção de equipamento). O terreno é da Câmara, o centro comercial será de um privado, não se sabendo como lhe vai parar o terreno às mãos. Contra o que é habitual, a declaração foi pedida pela CMA e não por um privado, para mais com caracter de urgência.
Escassos dias antes, tinha sido divulgada a iminência do Beira-Mar se transformar em SAD a ser controlada por Pishyar. No clube suíço de que é proprietário implementou um modelo de negócio baseando um centro multiusos (desde creche a clube nocturno) nas imediações do estádio. Perguntei naturalmente ao executivo se este centro comercial seria um investimento deste futuro proprietário da SAD. Foi categoricamente negado, não havia ainda investidor, ainda o iriam procurar. Demonstrando uma enorme capacidade de trabalho encontraram um investidor passada uma semana, surpresa: Majid Pishyar!

Saí um estádio para o investidor da mesa 65

A CMA contraiu um avultado empréstimo dando como garantia um plano de saneamento que previa a concessão do estádio municipal por 65 milhões de euros. Tentaram agora concessionar o estádio de borla à futura SAD do investidor.
Recorde-se ainda que autarquia e clube tem um negócio pendente. Numa madrugada de sexta-feira para sábado, pela calada da noite, a CMA vendeu o terreno das piscinas por 1,2 milhões de euros ao Beira-Mar, que minutos depois o revendeu a uma imobiliária por 2,5 milhões. O clube pagou com um cheque careca! Apesar de já ter recebido o dinheiro do terreno que revendeu, ainda não o pagou à autarquia.

Assim se vê a força de um bom negócio

PSD e CDS disputam a posição de ponta de lança do negócio, mas o jogo não se joga só em frente à baliza. O clube é presidido pelo único deputado municipal do PCP, António Regala (tem pedido sucessivas substituições que são lidas no início de cada reunião da AM) que negociou a SAD com uma enorme particularidade: o iraniano assumia todas as dívidas do clube... excepto as do clube à autarquia!!!! Há dívidas mais dívidas que outras... Curiosamente, o PCP foi o único partido da oposição a votar favoravelmente a declaração de interesse público que permite o centro comercial, assim como foi o único a votar o protocolo que permitiu a "venda" do terreno das piscinas.
Entretanto, a direcção do Beira-Mar, presidida por António Regala, emitiu um comunicado que fica para a história da luta, sobretudo tratando-se do negócio em causa: "é um crime lesa-pátrica desprezar a vontade de investimento". Sobre os vereadores que democraticamente e em consciência votaram contra um negócio que lhes levantava muitas dúvidas, acusam de "interesses mesquinhos de uma pseudo-coerência (...)".
Já antes, em entrevista (pag. 1, pag. 2) António Regala assumiu "Não é o futebol que dá dinheiro e ele terá outros interesses comerciais". Ora o que leva um investidor a fazer da sua âncora de negócio uma SAD que sabe dará prejuízo? Só fará sentido se quiser beneficiar da posição social e das ligações fáceis às decisões políticas que o lugar lhe confere, não? Da parte de Pishyar esta é uma atitude normal, quer ganhar dinheiro e por enquanto parece estar a fazer pela vida. Já não considero normal as sucessivas decisões da autarquia que vão ao encontro desse único desígnio.

O que nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?

Centro comercial: nasceu primeiro a vontade pública autárquica ou o interesse privado de um investidor? Estádio: nasceu primeiro a vontade pública de o concessionar gratuitamente ou o interesse privado de o deter gratuitamente? Quem representa afinal a Câmara Municipal de Aveiro?

Como é se retira a confiança política em Aveiro?

Dos dois vereadores PSD/CDS que votaram contra a indicação dos seus partidos, um já perdeu a confiança política e a outra é pressionada a sair. Em qualquer lugar retira-se a confiança política por o político enveredar por negócios estranhos ou por ir contra o seu programa eleitoral.
A direita de Aveiro é contudo bem mais refinada. O seu programa eleitoral é completamente omisso sobre o futuro do estádio, mas o plano de saneamento financeiro que PSD/CDS elaboraram no mandato anterior é bastante claro: o estádio é concessionada por 65 milhões de euros. E, face a toda esta embrulhada, não é difícil perceber que estes sucessivos negócios tem sido no mínimo mal explicados.
Em suma, Miguel Fernandes e Vitória Neves estão a ser empurrados para fora do executivo porque votaram de acordo com o seu compromisso e dos seus partidos (plano de saneamento financeiro) e porque votaram contra um negócio que certamente lhes levantava muitas dúvidas, sendo que o Presidente da Câmara negou qualquer período de discussão antes da votação. É assim, para o PSD e CDS de Aveiro os negócios são mais fortes que os compromissos que assumem com a população e com o Tribunal de Contas!

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quarta-feira, julho 06, 2011

O neoliberalismo ou a arte de vender peixe

Publicado n'A Comuna


O neoliberalismo não é só uma teoria económica e de Estado, é também uma narrativa da História e de legitimação política. Na sua narrativa, a desigualdade não é apenas inevitável, é o próprio motor do desenvolvimento. A igualdade gera preguiça, a concorrência soluções. A cooperação gera laxismo, a competição inovação. Ao mesmo tempo, a promessa da bonança para os audazes movimentou as massas e ia amenizando a catástrofe social com o rótulo “falhados do regime”.

Contudo, a socialização dos prejuízos dos gigantes da finança transformou em insulto o chavão neoliberal “o Estado fora da economia”. A crise tornou bem evidente a realidade. Não se trata de mobilidade social, mas sim da acumulação de capital através da globalização e aprofundamento da concorrência laboral e da entrega a privados dos serviços públicos e dos monopólios naturais.

Assim, numa Europa dominada pela direita, já não encontra facilmente no seu discurso as típicas loas ao self-made made man do faroeste. Da dominação cultural à económica, a conversa é outra. A liberdade continua a ser palavra central, associando-se agora ao conceito de igualdade. Todos temos direitos iguais, portanto devemos todos ser livres de nunca usar véu. Deve haver igualdade no acesso à escola, portanto devemos ser livres de optar entre a escola pública e a privada com o Estado a suportar os mesmos custos em ambas. A solução apresentada continua a mesma, mas a forma de a legitimar socialmente mudou.

Em Portugal, já o sabemos, somos dos primeiros a sofrer o impacto das crises, mas dos últimos a receber as novidades. Não admira assim que Passos Coelho ainda se apresente em registo ultra-neoliberalismo. Mas nem o seu disco riscado chega a todas áreas da governação.

Os trabalhadores com salários superiores a 3.400 euros vão deixar de descontar para a Segurança Social, passando a investir em fundos privados. De um ponto de vista neoliberal, cada cidadão tem a liberdade de escolher o seu plano de reforma, no público, no privado ou nenhum se assim o entender. Para mais, o Estado não deve ter este “negócio”, deve deixá-lo aos privados que o fazem melhor e com isso até fazem avançar o mundo. Contudo, face à falência dos fundos de pensões revelada pela crise, do aumento do desemprego e da crise social esta era de facto uma história difícil de vender. Assim, o governo de direita despe a roupagem e explica: é em nome da sustentabilidade futura da segurança social, que assim se libertará de pagar pensões altas. É uma medida fulcral para a defesa do serviço público.

É óbvio que o que está em causa é retirar fundos à segurança social pública, estrangulamento agravado ainda pela drástica redução da taxa social única prevista para breve. Com esta medida, parte do dinheiro recebido pelo trabalho é imediatamente metido na máquina da finança. A médio prazo, o trabalhador não terá opção senão a liberdade do mercado para “investir” a sua reforma. Assistimos à morte da segurança social, gradualmente assistencialista e exclusiva para pobres. Mas perante este cenário até o mais neo dos neoliberais diz que o faz para salvar o serviço público. Este é apenas um dos pequenos exemplos da direita que busca uma nova hegemonia ideológica. De momento vende o mesmo produto com outro discurso. Enquanto isso procura um novo produto que volte a levantar as massas.

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