domingo, março 27, 2011

A Etiópia está à venda

Publicado no esquerda.net

Imaginem terrenos férteis com uma área semelhante à do distrito de Lisboa arrendada durante 50 anos, por menos de 700 euros/mês. Não é preciso imaginar. É apenas mais um negócio oferecido pelo governo da Etiópia. No total, a oferta de terrenos nestas condições equivale já à área dos quatro maiores distritos portugueses: Beja, Évora, Santarém e Castelo Branco. Cerca de 35% da área continental de Portugal, três milhões de hectares, um quadrado com 173 km de lado.

Ao mesmo tempo, o governo etíope tem em curso um programa de relocalização das populações dessas áreas. O argumento é o de agrupamento em povoações maiores para assim assegurar o acesso ao abastecimento de água, à rede viária, a escolas, hospitais, transportes, etc.. A simultaneidade entre os dois acontecimentos é mera coincidência, dizem os responsáveis. A verdade é que a promessa de melhores infra-estruturas e maior qualidade de vida não tem passado disso mesmo, uma promessa, e o clima de medo e opressão está instalado. Só durante este ano, mais de 15 mil pessoas serão relocalizadas.

Apesar da Etiópia ser um dos países com maiores problemas de subnutrição do planeta – recebeu no ano passado 700 mil toneladas de alimentos como ajuda humanitária – os investidores vão produzir colheitas de alto valor como soja, óleo de palma, algodão e açúcar para exportação ao invés de cereais e outros vegetais para consumo das populações etíopes. Aos impactos sociais junta-se a devastação ambiental extrema: os terrenos são queimados, as florestas abatidas e as zonas húmidas drenadas. Uma reconfiguração do ecossistema a grande escala.

Estes factos foram revelados por uma reportagem do The Guardian. O governo etíope defende esta industrialização em larga escala como necessidade e única solução para o desenvolvimento. Curiosamente, no início deste mês, um relatório das Nações Unidas mostrou que a agricultura ecológica, desenvolvida por pequenos agricultores e sem se basear em químicos e pesticidas, pode dobrar a produção alimentar em África nos próximos dez anos.

A mega-exporação de que falava no início, com o tamanho do distrito de Lisboa, terá 60 mil trabalhadores que vão ganhar menos de um dólar por dia. A sua missão será trabalhar as terras que sempre foram suas e para as quais não podem voltar com pleno direito. O governo garante ainda aos investidores vários incentivos fiscais e estradas construídas com dinheiros públicos.

O benefício para a população etíope é imperceptível. Ficam sem os alimentos e sem as terras para a produzir. O futuro fica comprometido. O poder do Estado e o seu aparelho repressivo garantem a venda a retalho do país e colocam a economia ao serviço da extorsão. Tudo à custa da segurança alimentar e da escravização “moderna” da sua população. Os poucos que lucram com o negócio - o fundo de pensões do Reino Unido, outros fundos financeiros e os tubarões internacionais do ramo - agradecem e mantém a sua aura de responsabilidade social.

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quinta-feira, março 17, 2011

Opiniões radioactivas

Publicado no esquerda.net


O dinheiro ou a realidade? Pedro Sampaio Nunes, Secretário de Estado da Ciência e Inovação no governo de Santana Lopes, e Patrick Monteiro de Barros já escolheram.

Enquanto o mundo se solidariza com o povo japonês, Sampaio Nunes afirma na imprensa que "o sismo e o tsunami do Japão corroboram, ao invés de porem em causa, a segurança das centrais nucleares". E acrescenta ainda que "dos 15 reactores na zona mais exposta ao tremor de terra, houve problemas em quatro e, por ora, sem libertação significativa de radioactividade".

O "por ora" de Sampaio Nunes durou poucas horas, com as autoridades japonesas a admitirem risco para a saúde pública após a terceira explosão. O futuro permanece incerto com muitos a abandonar Tóquio. O seu "apenas 4 em 15" ignora o poder destrutivo de um único reactor, como se viu no caso de Chernobyl.

Já para o seu companheiro de negócio, Patrick Monteiro de Barros, "não podemos fazer um bicho-papão do que aconteceu no Japão" e acrescenta que "não há nenhuma razão que indique que só porque houve este evento no Japão se deva desistir do nuclear".

Em 2005 estes dois homens de negócios apresentaram ao governo o projecto para a construção de uma central nuclear em Portugal. Imunes à realidade, agora querem duas, insistindo na segurança da coisa e na balela da "energia limpa". A sua desfaçatez deixa bem claro o que está em jogo: um negócio milionário.

As políticas públicas na área da energia que servem o interesse colectivo são claras, mas também é claro que elas são contrárias ao lucro privado. Reduzir o consumo? Assim vendia-se menos. Descentralizar a produção e diversificar as fontes com prioridade para as renováveis? Assim perdia-se um monopólio privado capaz de extorquir a população. Estas são as respostas dos homens de negócios que nada temem. Dizem que o nuclear é a melhor opção em nome da competitividade, sabemos bem do que falam!

Enquanto isto, o Comissário Europeu para a Energia já classificou a situação de apocalíptica e disse que estava fora de controlo. A França classificou o incidente de grau 6, o Japão desvalorizou e classifica com grau 4. A cada agravamento da situação, o governo nipónico foi dizendo que tudo estava bem. É esta a história da indústria nuclear que só tem sobrevivido de mentiras e de secretismo.

A Alemanha já tomou medidas. Temporariamente encerrou as suas centrais anteriores a 1980. Sete das suas 17 centrais estão assim paradas durante pelo menos por três meses enquanto se procede a reavaliação. A apenas 100 km da fronteira existe uma central nuclear construída na década de 70 e que entrou em funcionamento em 1983. Não se conhece qualquer intenção do governo espanhol em a encerrar ou reavaliar. Falta que o governo português cumpra o seu dever e zele pela segurança nacional. É este o caso para isso, não é quando brinca às guerras lá fora.

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domingo, março 13, 2011

Dedicado a Jorge Greno

Geração à Rasca, Porto, 12 Março 2011

Horas antes das grandes manifestações da "Geração à Rasca" participei num debate na Rádio Terranova sobre o protesto. Aí, Jorge Greno, Presidente da Concelhia do CDS-PP de Aveiro deixou bem clara a sua posição: agora estamos na União Europeia, o mercado de trabalho está num espaço maior, portanto os jovens têm que estar preparados para emigrar. Na manif não o terão ouvido, mas não foi por isso que deixaram de responder. Não desistimos do país!

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terça-feira, março 08, 2011

Uma mão lava a outra

Hoje, no Diário de Aveiro,
em resposta a este artigo de opinião sobre esta notícia.

Uma mão lava a outra

O Presidente da CMA promoveu o lançamento de um automóvel dando-o como solução para os problemas de mobilidade. Ao mesmo tempo, Élio Maia prepara a privatização do serviço público de transporte colectivo, a MoveAveiro. O Bloco de Esquerda criticou estas escolhas políticas do executivo PSD/CDS-PP. A Câmara remeteu-se ao silêncio. A resposta foi aqui dada a 5 de Março em artigo de opinião por Luís Eduardo Pinho, o administrador do concessionário que organizou a dita iniciativa.

É poético que seja o administrador do concessionário a vir a público defender as escolhas políticas de Élio Maia e o intitule de "pioneiro". É genial que o faça na tentativa de provar que o seu concessionário não foi favorecido pela participação do Presidente de Câmara na sua acção publicitária, a seu convite. Estamos esclarecidos.

Um Presidente de Câmara não pode definir as políticas de mobilidade como se fosse um vendedor de automóveis. Não é a sua função, nem é esse o objectivo social da autarquia. Contudo, a mensagem de Élio Maia foi clara e é essa: a autarquia demite-se de uma política de mobilidade inclusiva e destrói o serviço público de transporte colectivo; se o cidadão se quer deslocar é responsabilidade sua e não da autarquia, portanto compre esta viatura de 35 mil euros.

Lamento não responder a todas as questões que Luís Pinho me coloca no seu artigo, mas apenas me preocupam as políticas de Élio Maia e os seus efeitos na qualidade de vida dos aveirenses. Não me interessa a política de vendas do seu concessionário.

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