segunda-feira, outubro 17, 2011

Dos 99% do mundo aos 0,0001% de Seguro

Publicado n'A Comuna


Do mundo para Wall Street, de Wall Street para o mundo o movimento evolui e envolve. A 15 de Outubro, centenas de milhar ocuparam as ruas de mil cidades por todo o planeta. Um movimento espontâneo mas global, feito de muitas cores mas unido no protesto e na vontade de mudança. Porém, ainda hoje, a direita o tenta colar à “anti-política” e a um segmento residual da sociedade. Mas como pode um protesto global, que junta pessoa tão diversas, de tantos países, culturas e línguas diferentes ser apelidado de tribal? E, se é verdade que a demissão da política é defendida por uma pequena parte dos activistas, a realidade é que o mote “nós somos os 99%” que uniu as manifestações é uma inegável declaração de classe.

Na véspera da manifestação da “geração à rasca” de 12 de Março, o governo Sócrates apresentava o PEC IV em conferência de imprensa. Em fotocópia, dois dias antes do 15 de Outubro, Passos Coelho dava a conhecer as medidas de austeridade do próximo orçamento de Estado. Trata-se do capítulo mais violento do ataque aos desempregados, trabalhadores e pensionistas que tem vindo a ser escrito com intensidade nos últimos anos. Também essa foi uma declaração de classe: retirar dos 99% que dependem do trabalho para entregar ao capital financeiro. Foi precisamente contra este sistema social e económico do saque, contra esta ideologia da pilhagem que o planeta se uniu.

A 11 de Outubro, o Partido Socialista andava perdido noutras contas. Sobre o orçamento de Estado, António José Seguro disse e reafirmou que o voto contra do PS é o cenário que “menos probabilidade tem de acontecer. Se quer que diga é de 0,0001%”. Seguro quis deixar as coisas ainda mais claras: “caso Portugal tivesse um governo minoritário, não hesitava em o aprovar”. Ou seja, se o voto do seu partido fosse decisivo para o ataque ao trabalho e ao Estado Social e para a recapitalização da banca, Seguro nem vacilava, o capital podia contar com o voto favorável do PS. Como esse saque está garantido pela maioria da direita, o PS pode descontrair uma décima de milésima...

Este retrocesso civilizacional só será impedido com uma massiva mobilização popular. A esquerda política e social, os movimentos orgânicos e inorgânicos, os sindicatos e comissões de trabalhadores, todos e todas as activistas: para esta luta todos são imprescindíveis e absolutamente necessários. Mas o que é que fez o Partido Socialista nas vésperas? Estendeu a passadeira amarela à direita. Mesmo perante um governo com maioria absolutíssima, o PS decidiu retirar qualquer pressão sobre o orçamento de Estado. Seja o que for, e já se adivinhava muito bem o que era, a direita pode contar no mínimo com a passividade do PS. Não será o partido que chamou o FMI a movimentar as massas, ou sequer a esboçar qualquer oposição parlamentar. O Partido de Seguro pode, por motivos táctico-eleitoralistas ou não, acabar por se reposicionar na votação. Mas na questão que agora é essencial, faltou ao povo de esquerda, aos desempregados, aos trabalhadores, aos pensionistas. Falhou aos 99% e com isso deu força à direita para que esta apresentasse as suas propostas mais radicais: prolongamento do horário de trabalho e cortes de 20% nos salários e pensões. Não é assim que se derrotam as políticas do saque e a direita.

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terça-feira, janeiro 29, 2008

A violência não é romântica

Massacre de Tiananmen, 1989
The Unknown Rebel, um cidadão chinês opõe-se a tanques do regime (foto Jeff Widener)

Numa troca de ideias sobre globalização/internacionalismo começada aqui, neste texto e na caixa de comentários, acabou-se a discutir a questão da violência na URSS e no processo de transformação da sociedade.

Primavera de Praga, 1968
Cidadãos da Checoslováquia opõem-se aos tanques soviéticos

A discussão prolongou-se ainda no Quotidiano da Miséria, onde o Filipe Guerra adornou a sua argumentação com umas fotos a preto e branco de revolucionários de arma em punho. Acontece que a violência não foi um episódio circunstancial, nem tão pouco [apenas] um instrumento para preservar a revolução contra o poder do capital. A violência foi o sistema, o sistema foi a violência. O propósito máximo da violência foi a manutenção do sistema, o seu desígnio a sobrevivência da nomenclatura.

Trabalhos forçados num Gulag

Cidadã ucraniana deslocada

A violência nada teve de heróico e estóico, apenas de cobardia. Tal como no capitalismo, o Estado arroga para si o monopólio da violência e exerce-a de forma visceral. Exerce-a contra o capital, contra vozes divergentes no movimento revolucionário, contra jornalistas e quem ousa ter opinião divergente, e pura e simplesmente contra a população.

Trotsky às portas da morte, 1940

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quinta-feira, janeiro 24, 2008

Globalização para totós 2.0


Designa-se antiglobalização aquele que luta por uma globalização alternativa à existente.

O capitalismo apropriou-se da própria linguagem e designa como opositores do fenónemo - antiglobalistas - aqueles que, com uma enorme carga histórica, defendem a globalização social. Ao mesmo tempo a linguagem do sistema não tem qualquer pejo em nos apresentar os nacionalistas, proteccionistas, anti-migrações e promotores de guerras entre Estados como os defensores da globalização.

Historicamente a esquerda, concretamente a não alinhada com a experiência soviética, sempre se bateu pela globalização, ou usando outro vocábulo pelo internacionalismo. Como Marx escreveu, «os operários não tem pátria». Marx, Trotsky e mesmo Lenine sempre teorizaram que o socialismo é impossível num só país e que o seu sucesso só seria possível com outras revoluções proletárias a nível global.

De facto, um operário português e um operário sul coreano tem mais em comum entre si ou com as elites do seu respectivo país? Então de que lhes serve a globalização assente na guerra permanente e na substituição da democracia pelo Mercado? E porque raio é que na linguagem do regime eu sou anti-globalização?

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terça-feira, janeiro 15, 2008

Globalização para totós 1.0

Sapatos Rohde nas montras de Bremen,
ao mesmo tempo que despede milhares de trabalhadores em Portugal

Chama-se globalizacao ao fenomeno que apenas funciona e consiste na divisao do planeta em dois mundos dispares e estanques. O mundo produtor deve ser estranho e alheio ao mundo consumidor. Este fenomeno ocorre para satisfazer dois preceitos, um economico (e logo ideologico) e outro puramente ideologico.

Na economia de mercado, o consumidor ao comprar os seus brinquedos nao deve ter presente o sangue, suor e lagrimas envolvidos na sua producao. O consumidor ate podera ter consciencia do sofrimento envolvido mas e'-lhe algo estranho e distante, que nao o envolve a ele nem aos seus pares. Poucos comprariam brinquedos se tivessem sido produzidos pelo filho do vizinho ou pelo seu proprio filho de 10 anos, em regime de escravatura assalariada, trabalhando 16h/dia, 7dias/semana. Como isto acontece com aqueles que nos sao estranhos e distantes, o consumo processa-se sem remorsos.

Ao longo da Historia do capitalismo, sempre existiu uma dissociacao entre a mercadoria produzida e o salario pago ao trabalhador. A mercadoria e' convertida directamente em dinheiro, mas o trabalhador e' pago em dinheiro e nao com os brinquedos que produz, a mais-valia apropriada nao e' clara e explicita. No mundo globalizado, esta dissociacao e' ainda maior ja que o mundo consumidor - tambem ele na sua maioria composto por trabalhadores assalariados - nao reconhece naquilo que consome o resultado de trabalho. Consumado o divorcio entre consumo e producao o capitalismo e' um sistema perfeito sem custos sociais...

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