sexta-feira, outubro 29, 2010

Pagar salários reduz a competitividade!

Publicado no esquerda.net


Os empresários e economistas do Fórum para a Competitividade têm um projecto para o país. Acabar (pelo menos temporariamente, dizem) com as taxas de IVA reduzida (6%) e intermédia (13%) e harmonizar o imposto de todos os produtos e serviços em 23%. Para quê? Para permitir um corte na taxa social única de 23,75% para 3,75%, com o objectivo de assim reduzir em 20% os seus custos laborais.

O Presidente do Fórum, Ferraz da Costa, declarou ainda que partilha da opinião de um estudo que defende a necessidade de Portugal reduzir os salários reais em 30% "para manter a competitividade da maior parte dos sectores tradicionais". Sobre uma eventual vinda do FMI assegurou que não o assusta, "até é melhor".

O patronato português encontrou uma saída para a sua crise: o esmagamento dos custos do trabalho. Eis a definição de competitividade de uma burguesia habituada a viver de rendas e negócios estatais, incapaz de produzir e inovar. O princípio é atroz, para assegurar o crescimento das taxas de lucro de alguns, todos devemos pagar mais pela satisfação das nossas necessidades básicas. No caso da maior parte dos produtos alimentares, o IVA aumentaria quatro vezes. Esta medida penalizaria mais as famílias pobres que gastam a maior parte do seu rendimento apenas a garantir a sua sobrevivência. A redução do salário disponível empobreceria ainda mais a população, acrescentando recessão à recessão e tornando-a ainda mais refém da banca.

Nos corpos sociais do Fórum para a Competitividade podemos encontrar alguma da mais fina-flor do poder político e financeiro do país, entre os quais nove ex-ministros, dois ex-presidentes da Confederação da Indústria Portuguesa , do antigo presidente da Associação de Bancos e ainda o actual director da campanha presidencial de Cavaco Silva. O projecto ideológico é profundo, a Segurança Social deve ser suportada apenas pelos trabalhadores. São os arautos do Estado mínimo a exigir a sua maximização: "mais Estado" na cobrança de impostos aos trabalhadores, para sobrar "mais Estado" para os seus negócios.

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segunda-feira, outubro 18, 2010

Os mercados sempre foram espaços das mulheres... e a cozinha também


A Câmara Municipal de Aveiro vai transformar o Mercado Manuel Firmino "num mundo da mulher". Assim, o executivo camarário preenche este mundo com "mulheres a potenciar a sua imagem, consultas nutricionais, apresentação de serviços e produtos de estética, um Show Cooking e um desfile de moda com as colecções das lojas de roupa envolvidas no projecto". Portanto, a mulher deve dedicar-se à sua beleza, à dieta, aos cométicos, à cozinha lá de casa e à roupa.
Para a organização da iniciativa, "os mercados sempre foram espaços das mulheres". Deve ser por isso que remetem a mulher para o seu espaço apropriado e se fala aí do que é apropriado as mulheres falarem.
A Câmara Municipal de Aveiro não só atribui papéis de género como ainda dá à iniciativa o nome do musical My Fair Lady! Nada mais adequado. A mensagem é a mesma, eduquem-se as mulheres, mas agora com padrões mais adequados à sociedade de consumo!

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quinta-feira, outubro 07, 2010

Água virtual, sede real

Publicado no esquerda.net

O impacto humano nos rios do planeta é de tal forma intenso e nefasto que ameaça o acesso de quase cinco mil milhões de pessoas à água e a sobrevivência de dez a vinte mil espécies aquáticas. Estas são as conclusões de um estudo publicado a semana passada na revista Nature.
Na Europa e Estados Unidos o risco de perda de biodiversidade é maior, contudo nos países em desenvolvimento – particularmente em África e na Ásia central – junta-se a ameaça no acesso humano à água. Se o estudo nos mostra que a distribuição dos riscos ambientais e sociais é assimétrica, sabemos que o modelo económico também o é. No planeta, a importação de “água virtual” - isto é, a quantidade de água necessária para produzir um bem, produto ou serviço - efectua-se dos locais onde é mais escassa para onde é mais abundante.
O Reino Unido e outros países ricos dependem fortemente da importação de “água virtual” alerta um outro estudo da Royal Academy of Engineering de Londres publicado em Abril. Apesar da Grã-Bretanha ser conhecida pela sua humidade, calcula-se que dois terços da água que a sua população consome seja na forma de água “escondida” na importação de alimentos, roupas e bens industriais. Estima-se que para produzir um quilo de carne de vaca sejam necessários 16.000 litros de água, para um quilo de milho 900 litros, para uma chávena de café 140 e para uma t-shirt 2.700.
A escassez de água é uma evidência. Os seus efeitos já se fazem sentir, assim como a sua valia económica. A luta pela água intensifica-se. Um pouco por todo o globo, multinacionais posicionam-se estrategicamente no abastecimento e saneamento de água e na propriedade de reservas hídricas. Nalguns países, somam-se as alterações nas bacias hidrográficas para servir projectos de irrigação que garantam a exportação de alimentos para países do norte.
Com as condições de vida a se deteriorarem, a população resiste. Nas últimas semanas, o governo do Peru adjudicou a um consórcio espanhol mais um destes projectos de irrigação, com estudos hidrográficos em falta e com um estudo de impacto ambiental que apontou defeitos ainda não corrigidos. Os protestos da população, que teme a falta de água para o seu abastecimento e para as suas terras, levaram a várias manifestações, uma greve geral de 48 horas e a ocupação do aeroporto. O exército foi chamado para funções de controlo social e a repressão policial resultou em vários feridos e num morto.
No avanço pelo controlo deste recurso natural, as multinacionais têm encontrado aliados de confiança nos governos, fornecendo leis à medida, desbaratando redes públicas, inventando meios de financiamento (onde o Banco Mundial também dá cartas) e, quando necessário, emprestando o braço repressivo do Estado na defesa do negócio. É altura de encontrarem a oposição de quem necessita da água para viver.

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