Desfazendo mitos
Nos últimos dez anos, os defensores e intérpretes do sistema dominante espalharam aos quatro ventos o que seria de nós quando o Bloco de Esquerda chegasse ao poder. Incansavelmente, quem nos governa e os seus defensores andaram a anunciar as nefastas consequências que as políticas de igualdade do Bloco trariam: aumento do desemprego, perda de poder de compra e até um ataque concertado dos mercados a Portugal.
O que a realidade nos mostra? Um crescente exército de desempregados que actualmente conta com mais de 700 mil homens e mulheres, uma economia débil e, pasme-se, o Ministro das Finanças já nos explicou que o país é alvo de um ataque concertado dos mercados!
Recordando as palavras dos governantes e dos fazedores de opinião da última década sabemos que a actual situação económica e social do país é o resultado de políticas erradas. Concordamos no diagnóstico, apenas precisamos de usar a sua lógica para saber que as políticas erradas foram as que vieram a aplicar e a defender no país.
Mas desta caminhada sabemos ainda mais. Não só trouxeram o país para o perigoso destino que auguravam para um governo da esquerda socialista, como chegamos aqui exactamente por causa das políticas de desigualdade que nos garantiam ser o motor do desenvolvimento económico e social. Portugal é hoje um dos países mais desiguais da Europa. Há quem trabalhe para ser pobre: dos dois milhões de pobres do país, mais de 75% trabalha ou é pensionista. A pobreza de quem produziu riqueza durante toda a sua vida contrasta com os 17,4 milhões de euros que os quatro maiores bancos portuguesas lucram por dia ou com os 3,1 milhões de euros que António Mexia recebe por ano.
Ao longo das últimas décadas foram-nos dizendo que a assimetria na distribuição de riqueza era essencial para incentivar e premiar os especuladores e capitalistas: estes audazes correm riscos e é esta sua acção que faz a sociedade avançar, logo a sociedade deve retribuir. Mas também aqui sabemos hoje que a história estava mal contada. De facto, a nossa vida é um risco, quer se abra um café na esquina ou simplesmente se exerça uma profissão assalariada. Nestas duas actividades existe de facto o risco de ir à falência ou de perder o emprego. Contudo, como vimos com esta crise, as grandes instituições financeiras que andaram a ludibriar os seus clientes não correm qualquer risco já que os Estados, com o dinheiro de todos nós, as salvam da falência. E não só não há risco como afinal esta actividade orientada para a ganância não nos trouxe nem desenvolvimento económico nem social, apenas a crise.
Portanto, no momento em que nos dizem que a nossa organização social estava assente sobre um pressuposto errado – o mérito da desigualdade – não se apressam a corrigir os resultados dessas políticas, pelo contrário, retiram uns milhares de milhões de euros do dinheiro de todos nós para o atribuir a quem beneficiou desta política de desigualdade e agravam-na baixando ainda mais os rendimentos do trabalho.
A realidade coloca a ideologia dominante em cheque. Há que expor as suas contradições. Este não é o momento para que “todos” façamos sacrifícios, até porque já vimos que esse “todos” quer dizer “mais uns que outros”. Este é o momento de pedir contas a quem nos governou e a quem beneficiou das políticas de desigualdade.
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