O
esquerda.net editou um
dossier sobre a Cimeira do Clima de Copenhaga que se realizará entre 8 e 18 de Dezembro, com vários textos alusivos ao tema. Deixo também aqui
o meu contributo para esse dossier, sob o tema do comércio de emissões:
Carbono: democracia ou mercado?Nas vésperas da Cimeira do Clima de Copenhaga é necessário perceber o que ganhou a Humanidade e o Planeta com o comércio de emissões instituído em Quioto.
O protocolo de Quioto, permite aos países desenvolvidos a possibilidade de compra de direitos de emissão de carbono. Estes países podem ainda adquirir reduções certificadas de emissões através do investimento em projectos de alegada redução ou captura de carbono em países em vias de desenvolvimento, transformando aquilo que são expectativas de captura ou redução em direitos de emissão imediatamente disponíveis.
Basicamente, foram criados mecanismos de mercado que permitem cumprir as metas de emissão, não pela sua redução... mas sim pelo crescimento da própria meta! Aliás, as exigências originais são já bastante permissivas: as licenças atribuídas entre 2005 e 2007 na Europa foram superiores às emissões produzidas, o que fez baixar drasticamente “o preço do carbono” e como tal o “custo da poluição”.
Assim, como a politica de emissões está dependente do mercado e não de objectivos democraticamente instituídos, a redução vai sendo feita nas questões onde fica mais barata ou até onde eventualmente significa mesmo lucro e que como tal, seria realizada de qualquer das formas. Deste modo, o corte nunca vai sendo nas indústrias com uma forte dependência dos combustíveis fósseis (do qual depende 85% do nosso modelo económico), dado que economicamente lhes é mais vantajoso investir em direitos de emissão ou em reduções certificadas. O corte essencial e definidor nunca é concretizado, constituindo assim o direito a poluir, desde que se pague para tal.
Ora, se apenas reduzimos em questões como a eficiência dos processos produtivos e mantemos estruturalmente o mesmo modelo de consumo e produção baseado em combustíveis fósseis isto significa que a ciência e a tecnologia continuam a evoluir no mesmo sentido limitando a real implementação de soluções energéticas ambiental e socialmente sustentáveis.
Contudo, o combate às alterações climáticas só é efectivo se se fizer no campo político e da democracia e não na busca incessante de técnicas que amenizem a insustentabilidade de um modelo civilizacional.
Estes mecanismos de mercado aplicados ao carbono não permitiram ganhos ambientais ou sociais, apenas permitiram que os maiores poluidores fizessem fortunas com a especulação sobre o preço do carbono e que os países em vias de desenvolvimento ficassem ainda mais dependentes. E para os arautos do mercado esta é a tendência a manter, espreitando já com a ambição de expandir o mundo financeiro no “combate” às alterações climáticas com a introdução de sistemas de seguros.
O mercado de emissões baseia-se no princípio de que o mercado e os seus mecanismos são a solução para todos os nossos problemas, e que tudo tem como objectivo a geração de mais-valias económicas. Foi a fé no mercado que nos trouxe a crise financeira. Este mesmo modelo económico, com os mesmos motivos – sobreprodução e sobre-exploração dos recursos – traz-nos a crise ecológica. O problema não pode ser a solução.
O primeiro desafio no combate às alterações climáticas deve ser a sua democratização. A definição de quanto, onde e o que se reduz tem implicações demasiado sérias para as nossas vidas e para o planeta para ficar nas mãos do mercado e do lucro. A decisão sobre o bem comum cabe às pessoas.
O ambiente não é uma mercadoria, é a nossa vida. Descarbonizar a sociedade, nomeadamente através de aposta estruturante em energias renováveis com produção diversificada e descentralizada, em transportes públicos, e em suma a redefinição do modelo de consumo e produção é uma decisão que se impõe em nome de um compromisso social e ambiental dos povos e não de um mero compromisso comercial financeiro.