Destroços de guerra
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Continuando a falar do corpo, mas noutros termos, o strip será uma exploração em maior grau que os videoclips da MTV, em que 90% é só nádegas de mulheres afro-americanas a abanar? E que dizer das séries como Morangos com Açucar, que mais parece de sacarina dada a ausência de obesidade e dentes podres. Nas séries televisivas até os personagens "feios" são actores "lindos" caracterizados para a fealdade [atendendo ao actual conceito beleza, que é algo em constante mutação: vide o anúncio do Marco Paulo para a Ice Tea].
Aqui entra outra discussão. Em termos de relação com o nosso próprio corpo, que terá mais efeitos negativos na sociedade: os rabinhos da MTV, os bonitos morangos ou o strip?
[publicado no Diário de Aveiro, 25 de Agosto de 2006]
Insistentemente, no Verão, Portugal embrulha-se no caos urbanístico do litoral e assiste ao seu território a arder.
No nosso país a Política de Solos é praticamente inexistente e o debate ausente. Antes de partir para propostas legislativas é necessária um discussão conceptual sobre o que é o solo na nossa sociedade. Deverá o solo ser encarado enquanto mercadoria ou enquanto recurso?
Claramente, até nas definições de meros dicionários, o solo é definido enquanto recurso natural. O solo, mesmo que privado, não deve ser abusado. O solo deve ser protegido pela legislação já que dele dependem actividades fulcrais para a Humanidade. A gestão de recursos naturais como simples mercadorias leva a direcção do lucro e não do bem comum da população e da sociedade.
O solo é um bem limitado, não se replica nem se produz. Quando alguém detém solo provoca, simultâneamente, a redução da sua disponibilidade para a população e para a concorrência. Sendo o solo claramente um recurso natural, quem fica assim numa posição competitiva priveligiada face à concorrência não deveria ressercir em parte a sociedade? Isto uma vez que não se produziu solo, apenas se limitou a ocorrer uma aquisição e a ocupação em proveito individual, sendo que nestes actos não foi gerada riqueza para a sociedade.
Neste momento o valor dos solos é algo bastante intrigante. Um hectare de terreno agrícola que passe a terreno urbano vê o seu valor grandemente multiplicado. Temos que uma decisão administrativa, por si só, sem que seja criada qualquer riqueza ou mais valia, gera uma imensa riqueza ao proprietário do terreno. Será justo que um acto executado por uma autarquia, que em nada contribuiu para a valorização do recurso nem da sociedade, provoque uma ostensiva subida de valor de um terreno que continua com o mesmo hectare de área?
A realidade deste vazio legislativo leva à especulação imobiliária e ao consequente caos urbanistico. Como o latim é uma língua morta, em Portugal a agricultura é encarada como uma actividade do passado. Tenta-se assim desalmadamente transformar o solo na única coisa que aparentemente dá lucro: as edificações florescem que nem cogumelos. Esta vontade vai ao encontro da forma de financiamento das autarquias, que assenta essencialmente na colecta de impostos derivados da contrução imobiliária.
A realidade é que, desta forma, o solo é edificado em demasia. Existem já mais casas do que pessoas para as habitar, e os planos de ordenamento das autarquias contemplam habitações para 30 milhões de residentes. Esta actividade seria de estranhar caso não gerasse lucro. A verdade é que, apesar da grande oferta imobiliária, a especulação é exercida retirando vários apartamentos do mercado durante alguns anos. Este açambarcamento gera uma depleção na oferta perante a procura, aumentando os preços, tornando assim, após dois ou três anos, rentável a inserção dos bens retidos no mercado a um preço superior ao que foram adquiridos.
Ora esta prática face ao vazio existente no Direito dos Solos é vantajosa para os especuladores imobiliários, mas altamente prejudicial para a sociedade. Em vários países da UE e nos EUA, o açambarcamento de apartamentos, que ficam durante uns anos no limbo sem uso, seria altamente penalizada, contudo em Portugal tudo é lucro. Aliás, nos EUA, a visão sobre o solo é eficiente, já que existe a consciência histórica da não produção do solo, tendo este recurso sido em grande escala oferecido pelo Estado à população nas grandes corridas do oeste.
Infelizmente por cada incêndio se torna mais fácil a passagem administrativa de um terreno agrícola a susceptível de construção; e se transforma excessivamente o solo em edificação vertical. O centro das cidades vai morrendo, transformado em entulho de prédios devolutos desabitados e cuja recuperação não é benéfica em nome da especulação.
Imigrantes podem invadir Algarve. É o título de uma notícia alarmista. Após a ruptura da capacidade das Canárias para deter mais emigrantes ilegais, já António Costa anda preocupado com o problema.
Todos os dias se lançam ao mar centenas de pessoas que, em desespero, tentam alcançar a terra prometida: a Europa. No seu percurso são alvo de autêntico tráfico humano, que em muitos momentos resulta em tráfico de carcaças, tantas são as mortes.
Acharei bem? Tranquem-nos em África, de onde fogem da pobreza, da fome e da doença. Sabem que ficar onde o sistema económico os condena à morte é uma loucura! Tudo arriscam na viagem.
Mas vamos mais longe! Nada de africanices na Europa! Proíbam a importação de cacao, café, petróleo, carvão, diamantes, aço, madeira e até a fruta e legumes. Recusamos tazer por preços irrisórios os recursos naturais de África para nosso conforto. A Europa e o Ocidente que sobrevivam com os recursos que detém no seu território (já estou a ver o caldo verde da relva cortada a surgir...).
Na Polónia, no final do regime comunista e na transição para a economia de mercado, muitas privatizações foram efectuadas. Estava também prevista a privatização da imensa floresta. Contudo ocorreu uma forte contestação popular e o Governo teve que recuar nas suas intenções.
A floresta continuou a ser propriedade de todos e foi dividida em porções administrativas. Cada porção ficou à responsabilidade de um clube de caçadores. O clube de caçadores ficou com a missão de zelar pela floresta, quer dos seus recursos vegetais, quer animais. Para tal têm que realizar estudos periódicos e acções de protecção e gestão da floresta. Tudo isto é financiado com o dinheiro dos muitos caçadores (sobretudo alemães) que se deslocam e pagam para caçar naquelas florestas. Naquenas zonas a caça grossa (javalis e veados) é bastante abundante, o que leva a um grande afluxo de "clientes". É portanto do interesse do clube de caçadores manter a floresta viva e sustentável de forma a continuar a recolher dividendos da sua actividade.
O contraste comPortugal reside sobretudo no facto de que, por cá, a floresta bem gerida não gera tantos dividendos. Em Portugal os incêndios alimentam-se de muitas fogueiras…
[publicado no Diário de Aveiro, 18 de Agosto de 2006]
Apesar da minha ausência do mundo nos últimos dias, sentia o que as notícias traziam. Encontrava-me na Serra da Peneda e a aragem deixava adivinhar as manchetes.
Antes de eliminar um problema é preciso compreender as suas origens. Qual a razão da fragilidade portuguesa face aos incêndios? Como é possível que no ano passado, a área ardida em Portugal, supere a soma das que arderam em Espanha, França e Itália?
O abandono da floresta agravou-se, contribuindo para uma menor vigilância e para um maior descuido das propriedades.
Em primeiro lugar as migrações do campo para a cidade em busca de melhores condições desertificaram o interior e as zonas rurais. O mais grave neste particular é o seu agravamento nas últimas décadas, já que o Governo apenas investiu, criou infra-estruturas e emprego no litoral. Neste momento o país corre procurando recuperar o tempo perdido, mas apenas através de medidas não estruturais como os subsídios camarários à natalidade e à imigração.
Um segundo factor, de índole cultural, deste divórcio entre a população e a floresta deriva da alteração da estrutura da floresta. Até há algumas décadas a vegetação típica a norte do Tejo era composta pelo pinheiro. Esta árvore não autóctone, proveniente da América do Norte, encontra-se bem adaptada às condições naturais do país, contudo é necessário esperar o tempo de uma geração para obter rendimentos. A busca de rendimentos rápidos disseminou o eucalipto, proveniente da Austrália, por todo o país. O pinheiro gera vários subprodutos (resina, caruma, pinhas, mato em seu redor), o que permite uma sinergia entre a população e a floresta. Contudo o eucalipto tudo seca à sua volta e, não fornecendo subprodutos, leva a que as visitas à floresta sejam diminutas, reduzindo-se praticamente à sua plantação e, passados 7 anos, ao seu corte.
Para além deste fenómeno cultural, o eucalipto está extremamente bem adaptado a fogos periódicos, regenerando rapidamente e sendo que a maioria das espécies depende dos fogos para se reproduzir e propagar. Em dias quentes o óleo dos eucaliptos, extremamente inflamável, vaporiza-se e permanece acima da floresta facilitando o avanço das chamas.
Comparativamente aos outros países da Europa Mediterrânea o que distingue a floresta portuguesa é a falta de industrialização e optimização de recursos. Geralmente cada proprietário florestal detêm pequenas áreas dispersas e sem acessos. Nesta estrutura florestal é impossível a construção de aceiros, plantações organizadas ou sequer retirar os rendimentos suficientes para investir na própria propriedade. Neste campo o Estado há muito se desresponsabilizou, esquecendo o emparcelamento e nunca apoiando nem encorajando cooperativas ou associações de produtores. Também na formação dos proprietários o Estado sempre se mostrou inexistente.
Referidos estes factores sociais, culturais, biológicos e industriais é importante não esquecer os fenómenos económicos que se alimentam da fogueira.
Portugal continua a alugar aviões e helicópteros de combate a incêndio. Dispomos de aviões empacotados, comprados para fazer frente a uma ameaça que não existe, porém, para a ameaça real dos incêndios, continuamos dependentes de empresas externas a quem já pagamos o equivalente ao preço de vários aviões.
A ausência de uma lei do solo, como na maioria da EU e nos próprios EUA, é, quanto a mim, o factor que torna o país mais vulnerável às chamas. Apesar da existência do defeso de alguns anos após um incêndio em que não é permitida a construção, a realidade continua apetecível. A simples alteração do estatuto de um terreno agrícola para urbano leva a que o valor deste se multiplique. É inadmissível que uma mera decisão administrativa, que não gerou riqueza ou mais-valia para a sociedade, gere tamanha riqueza nas mãos de alguém de que nem sequer partiu a decisão. Bastou-lhe nada fazer.
O direito do solo deveria ser uma discussão central na política portuguesa, contudo continua estranhamente abafada. Face à sua importância e complexidade, merece por si só, ser debatida, nomeadamente neste mesmo espaço na próxima semana.
Sendo esta a minha visão da vulnerabilidade do país aos incêndios não posso deixar de estranhar que apenas o Ministro da Administração fale de incêndios. Por onde andaram os Ministros da Agricultura e do Ambiente todo o ano? Bem sei que neste momento está instalada uma guerra entre estes Ministérios, mas que fez este e outros Governos para quebrar com as causas da nossa fragilidade?
Quando nos cansaremos de ver irremediavelmente o país arder?
[publicado no Diário de Aveiro, 11 de Agosto de 2006]
Em Chicago, um dos principais pólos industriais dos Estados Unidos, arrisca-se a ficar conhecida umas das cidades mais verdes e ambientalmente sustentáveis do planeta.
A Câmara Municipal local encoraja e financia a criação de jardins nos telhados da cidade. O primeiro a ser construído foi há seis anos na própria Câmara Municipal, sendo que actualmente a cidade já apresenta 200 jardins nos telhados totalizando 23 hectares. Os edifícios das grandes marcas comerciais não quiseram ficar de fora e construíram também os seus.
A intenção não se fica pelos telhados, englobando um plano de urbanismo verde mais abrangente que inclui a plantação de várias árvores pela cidade e a substituição de vias de trânsito por jardins.
O objectivo destas politicas é o regresso da verdura à cidade, esperando a redução da ilha de calor urbano. De facto, a temperatura nas cidades é vários graus superiores à das áreas envolventes. Assim, esta medida visa poupar milhões de dólares no gasto energético citadino. No caso do edifício da Câmara Municipal, a temperatura verificada por baixo do seu telhado chega a ser de 10 a 20 ºC inferior ao resto da cidade.
Em suma estes jardins prolongam a vida dos telhados, melhoram a eficácia energética dos seus edifícios, oferecem novas áreas de lazer à sociedade e garantem um impacto visual bem mais suave do cinzento das cidades. Os telhados pretendem ser a pequena medida que, pelo seu efeito cumulativo, resolva um problema grave das cidades.
Ciente de todas as diferenças, a todos os níveis, entre Chicago e as cidades portuguesas não posso deixar de efectuar algumas comparações. Não espero que em Portugal substituam os telhados por jardins. Há cidades ainda com áreas susceptíveis de criação de espaços verdes, mas a perspectiva que se têm é que serão destinados a construção e não a zonas públicas. Infelizmente, a tendência portuguesa é mesmo para a redução dos jardins citadinos.
No caso de Aveiro, na sua avenida mais central, Lourenço Peixinho, foi reduzido o número de árvores para a construção de um túnel que praticamente a transforma em via rápida. Nas avenidas mais recentes apenas se plantaram os postes de iluminação, continuam nuas de verdura e assim parece que vão persistindo.
Noutro exemplo, a nova praça Marquês de Pombal, chega-se ao insólito da verdura estar envasada, provavelmente por impeditivos de ordem técnica face ao parque de estacionamento subterrâneo. O conforto desta praça, principalmente no Verão, também se vê assim reduzido já que estas tímidas árvores nem para fazer sombra são úteis e, devido ao seu pavimento, se gera uma imensa luminosidade na praça.
O parque da cidade teria, agora que o Estádio Mário Duarte será desactivado, boas perspectivas de ser aumentando. Mas não. Opções políticas passadas semearam naquele espaço (que também poderia servir para o aumento do espaço hospitalar) quatro grandes torres de betão, que a curto prazo deverão despontar. Neste caso, como noutros, a situação calamitosa das finanças camarárias – que em Portugal ameaça tornar-se norma – justificam estas sementes. Contudo é visível a falta de planeamento e estratégia do desenvolvimento e urbanismo pretendido para a cidade. Neste caso interrogo-me se obras que pouco trazem à população, mas muito levam, justificam o impedimento da construção de espaços destinados ao usufruto dos mesmos cidadãos.
O parque de estacionamento relvado junto ao canal de São Roque parece ter sido o único espaço verde construído em Aveiro.
O modelo de financiamento autárquico e a ausência de direito do solo tornam as cidades portuguesas cada vez mais cinzentas. Os ganhos económicos previstos para Chicago (para além das vantagens ambientais e de qualidade de vida) são assim negligenciáveis em Portugal.
Recordo sonhos de evasão. Agachado e comichoso pelo feno, cheiro as papoilas e aguardo o momento. Apresso-me a correr, chego ao destino e, de pés molhados e enlameados, grito num só folgo trinta-trinta-e-um-salva-todos. Outras vezes conto freneticamente até prosseguir a minha busca. Desde pequeno infante jogo às escondidas, tendo mesmo chegado a jogar nas próprias instalações da universidade onde estudava. Sempre foi motivo de alegria.
Escuto um soldado israelita sorridente explicar para a câmara que lutar com vegetação é diferente. Gesticula dizendo que tem que ver se o inimigo está por detrás dos arbustos, “É como jogar às escondidas!” exclama alargando o sorriso. Triste peão inebriado pelo vermelho-sangue das papoilas.
Israel anuncia que só consente um cessar-fogo se tropas internacionais forem estacionadas no sul do Líbano. Está a União Europeia disposta a aguentar as circunstâncias beligerantes que outros provocaram? Irá a União Europeia assegurar a linha de fronteira norte de Israel para que essa mesma nação possa continuar a se alagar a sul e leste, naquilo que constitui a ocupação ilegal da Palestina? As forças internacionais ficarão incumbidas de suster os levantamentos aí existentes de cada vez que Israel dilacere ainda mais o povo palestino? Por último, a União Europeia pretende ter nas mãos a responsabilidade pelo controlo da fronteira quando (deveria dizer “se”?) os Estados Unidos decidirem invadir, como se vai lendo, a Síria ou o Irão?
As mesmas questões não posso fazer sobre Portugal já que Luís Amado é mestre do esconde. O Ministro dos Negócios Estrangeiros esquivou-se a responder à pergunta do deputado socialista Vera Jardim sobre qual a posição de Portugal na reunião de Bruxelas. A população continua a ignorar a posição do Governo sobre a guerra, e ao que parece até deputados socialistas a ignoram. Quem terá ficado agradado com o debate parlamentar foi o Embaixador israelita que no final cumprimentou efusiva e ostensivamente o Ministro.
Leio na imprensa que o Hezbollah não reconhece o direito de Israel existir, porém este estado existe de facto. Não leio que Israel não reconhece o direito da Palestina existir, e que é essa a condição para a sua não existência e da sua desgraça. Qualquer paz duradoura terá que passar por aqui.
Há muito que foram esquecidos os dois soldados, pretexto para a ofensiva que conta já com 24 dias e que, pela sua envergadura, denota uma preparação de longa data à espera de motivo.
Os Estados Unidos, guerreiro de muitas frentes, contra todos veta a condenação do assassínio de quatro observadores da ONU. Contra o bombardeamento de comboios humanitários carregados de medicamentos apenas o ensurdecedor silêncio.
Noutra frente, na terra das papoilas brancas, agora negócio florescente, perpetua-se o caos. A semana passada, de São Jacinto, partiram mais soldados para o Afeganistão. Há muito que o motivo evocado para a invasão, a captura de Bin Laden, foi esquecido.
No berço da civilização, a ceifa sanguinária continua ininterruptamente. Por entre os escombros do Iraque já ninguém procura armas de destruição massiva.
Há quinze dias, neste mesmo espaço, critiquei ambas as partes. Talvez hoje não me sinta bem. Choro as crianças difundidas a escrever “de Israel com amor” nos seus mísseis. Porque não jogam elas às escondidas? Quem se sente bem com a morte do amor?
Os verdadeiros sonhos de evasão são os de quem nunca pediu a guerra e é forçado a vivê-la. Estamos condenados a um estado de guerra permanente? Quem não tem as mãos manchadas de sangue? Quem grita salva-todos?