terça-feira, maio 30, 2006

Ontem ao cimo das escadas

Yesterday upon the stair
I met a man who wasn't there.
He wasn't there again today
I wish that man would go away.

William Hughes Mearns, 1899

Foto que tinha para aqui. A Iszaskun algures entre Roscoff e o Mont Saint Michelle, em 2004.

segunda-feira, maio 29, 2006

Comme Restus

Vagueio por videoclips de músicas de grupos portugueses no youtube. Vertente nacional ainda muito pouco desenvolvida.

Mas qual não é o meu espanto que a banda portuguesa que me pareceu ter mais videos online é Comme Restus. Fui à procura de portugueses consagrados a ver se os superavam. Os velhinhos Xutos e Pontapés não, o que é normal dado os seus fãs estarem numa camada acima dos utilizadores deste site. A seguir tentei o tipo da moda para a geração youtube, e eis que não, Boss AC tem menos videos que os Comme Restus.

De certo uma acertada estratégia de marketing. Merece uma salva de palmas...

E já agora porque não me lembrei eu antes de Dezembro em criar um site destes!? O you tube vai ser vendido por certo ainda este ano por uma pequena fortuna...

Será que alguém que perceba este textinho visitará este blog?

domingo, maio 28, 2006

Semântica

A semântica (do grego σημαντικός, derivado de sema, sinal) refere-se ao estudo do significado, em todos os sentidos do termo. A semântica opõe-se com frequência à sintaxe, caso em que a primeira se ocupa do que algo significa, enquanto a segunda se debruça sobre as estruturas ou padrões formais do modo como esse algo é expresso (por exemplo, escritos ou falados).

Face a isto o que dizer a concertos pop realizados em Lisboa e cujo nome se escreve em inglês, Rock in Rio?

mamihlapinatapai

Palavra originária da Terra do Fogo e considerada como a mais sucinta do mundo. Ela é o nome de uma situação bastante complexa: "olhar trocado por duas pessoas em que cada uma espera que a outra inicie aquilo que nenhuma das duas tem coragem de iniciar".

sábado, maio 27, 2006

Trovadores da desgraça

[publicado no Diário de Aveiro, 26 de Maio de 2006]

Escuto triste a música. O cortejo vai pesado. Trovadores espalham aos quatro ventos que tudo está mal, que tudo vai mal. Partem do infortúnio para louvar as suas medidas corajosas. Medidas que, para não desafinar, mantêm os mesmos acordes que levaram à presente situação.

Enchem os pulmões e lamuriando-se da desventura vão contra o seu canto de campanha eleitoral e aumentam o IVA, o imposto mais cego e injusto para a população. Fecham escolas, maternidades e urgências nos hospitais. Alteram as regras a meio do jogo e reforma só trabalhando mais anos, e se querem receber o mesmo há que trabalhar ainda mais. Graves solfejos.

Trovadores de uma desgraça alheia que enaltecem a necessidade de “apertar o cinto”, porque o país “está de tanga”. Pautam-se por colocar fracos contra fracos e pedir sacrifícios sempre aos mesmos. Enquanto isto, muitos são jovens multi-reformados. Outros, antigos trovadores, estão confortavelmente instalados na administração de empresas com as quais negociaram na qualidade de governantes. Há ainda os que não se aventuram em empresas privadas, ficam por casa como administradores, assessores e consultores de empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos. Suaves vibrações.

Após os subsídios para nada fazer, para menos produzir, para deixar terras ao abandono, para abater árvores, eis que há ainda quem ouse clamar por subsídios para despedimentos. Tudo em nome do desenvolvimento diz; tudo pela modernização da função pública. Sonegando que Portugal, percentualmente, tem cerca de metade dos funcionários públicos que os países europeus mais desenvolvidos. O compasso está desarmonioso.

São estes mesmos trovadores da desgraça alheia que votaram contra e rejeitaram propostas do Bloco de Esquerda como o fim do sigilo bancário e da zona franca da Madeira. Medidas de combate à evasão fiscal que tornariam mais transparente e justas as contribuições de todos os cidadãos. Medidas para que todos paguem o que é devido e que não seja uma parte limitada da população a pagar o que outros se furtam.

Tanto cantam a desgraça mas não deixam de votar contra e rejeitar as propostas de justiça fiscal do Bloco de Esquerda como o imposto sobre as grandes fortunas. Mais recentemente foi o caso da medida que impediria que o IRC sobre os lucros deixasse de ser pago sob a justificação da despesa com o pagamento da dívida bancária num financiamento de uma OPA.

O chumbo do projecto-lei que limitaria as vantagens fiscais das OPAs leva a que, apenas no caso da formiga Sonae e do elefante Portugal Telecom, o Estado perca 3.000 milhões de euros em impostos que não serão cobrados. Isto porque o empréstimo que a Sonae pediu ao Banco Santander anulará uma receita fiscal de 250 milhões de euros sobre os resultados líquidos da Sonaecom nos próximos 12 anos. Ora, a concretizar-se o negócio, o empréstimo pedido será certamente pago pela própria Portugal Telecom, a empresa comprada. É pois fácil de ver quem financiará a operação: o contribuinte, o enfado de uma música repetida infinitamente igual.

quinta-feira, maio 25, 2006

25 de Maio

Dia 25 de Maio, Dia Internacional do Orgulho Friki.

A palavra castelhana friki de acordo com a enciclopédia do povo provém do inglês freak, que significa raro, estravagante, estrafalario, fanático.

quarta-feira, maio 24, 2006

Girl Anachronism - The Dresden Dolls



Ontem pela Casa das Artes de Famalicão passaram Thomas Truax (um verdadeiro one-man-show a realizar a primeira parte) e The Dresden Dolls num concerto divinal.

segunda-feira, maio 22, 2006

Esquilo-pavão

Depois do boi-cavalo de Moçambique eis que eu próprio descobri uma nova espécie, o esquilo-pavão... pelo menos, como podem ver, está a pavonear-se para a minha fotografia...

Por cá

Marcelo Rebelo de Sousa comentou ontem a vinda de Fernando Santos para o Benfica, e será comentador fixo num programa sobre o Mundial de Futebol... polivalente. Para quando Gabriel Alves a comentar política e a recomendar livros?

A Sportv proibiu que os jogos transmitidos pela SIC sejam exibidos em locais públicos (quer em praças quer no Café Ferreira). O desemprego vai baixar, com um fiscal por cada tasca de Portugal.

Ao que parece, Santana Lopes de tanto mudar as lâmpadas fundidas lá em casa conseguiu um empregozito na EDP. Vai ganhar € 10.000/mês a juntar à sua parca reforma. Consultor jurídico, se é que isso interessa. Foi nomeado por António Mexia, Presidente da EDP, e que curiosamente foi Ministro das Obras Públicas do Governo de Santana Lopes.

domingo, maio 21, 2006

Príncipes do descartável

[publicado no Diário de Aveiro, 19 de Maio de 2006]

O simples aumento da tarifa de resíduos sólidos em Aveiro trata-se de um assunto bem mais complexo que parece. O lixo é matéria e energia, a base da riqueza, pelo que este tema merece uma profunda reflexão.

Em primeiro lugar devemos analisar de onde provém tamanho desperdício e esbanjamento de matéria que prolifera nas nossas vidas.

O planeta vive sufocado sob o jugo da produção. Tanto a nível material como energético o planeta vive acima das suas possibilidades. Mas assistimos continuamente ao apelo frenético à produção e, nem por uma vez, escutamos a palavra eficiência. Produzir menos num menor tempo, com custos mais baixos e com menor gasto energético e material não parece ser grande preocupação.

A economia de mercado, para se suster a si própria, obsessivamente produz mais do que necessitamos. Forçosamente fecha o seu ciclo impelindo ao consumo exacerbado do supérfluo. Graças a esta insistente tormenta é inevitável tornar os seus produtos mais aprazíveis para vencer a concorrência. Neste processo os produtos são sobreembalados, coloridos e anunciados desperdiçando preciosos recursos e lançando-os para o ambiente em forma de lixo e tóxicos.

Não gostaria de viver num mundo cor de papel pardo, mas não posso considerar aceitável que se vendam iogurtes como matrioshkas russas. Copos de plástico aos conjuntos de quatro embrulhados em papel e, muitas vezes, com a oferta de uma caixa de plástico que os envolve, estando ainda incluídos em grandes caixas de cartão que os transporta em quantidade.

Mas a mais perigosa manobra a que nos habituaram é o descartável, tanto a nível do produto em si como na forma do consumir. Quanto menor a durabilidade de um produto melhor o seu resultado económico. Já imaginaram se as lâmpadas não se fundissem!?

Curioso como procedimentos contrários ao interesse do consumidor e nefastos para o próprio planeta são os vantajosos na economia. No mínimo estranho.

Falando concretamente do aumento da tarifa – falha de uma promessa eleitoral de Élio Maia – é fácil concluir que o objectivo não é cobrir o prejuízo de € 3.000 mensais que a recolha e tratamento de lixo provoca à Câmara. Escavaram o buraco colossal em aspectos de duvidoso benefício para os munícipes, mas são estes que agora são chamados a cobri-lo com o seu esforço.

Contudo o maior erro é a forma como a tarifa é cobrada: na factura da água, indexada ao seu consumo. Nada mais que um método simplista que não requerendo o mínimo esforço é simultaneamente cego, ineficaz e injusto.

Os munícipes pagam a prestação de um serviço, não sendo portanto razoável que lhes seja cobrado o que não lhes é devido. A principal tarefa desta tarifa deveria ser encorajar hábitos e comportamentos, na qual é completamente inócua. Devem portanto ser criados mecanismos que permitam aferir a quantidade e tipo de lixo produzido por cada munícipe. Não se trata de uma mega tarefa, tendo já sido implementada noutros locais. Torna-se a taxa mais justa e verdadeiramente eficaz na mudança de comportamentos.

Os munícipes acabam ainda por ser chamados a cobrir o que as grandes superfícies comerciais não pagam pelo lixo que criam em grande escala. Atendendo à forma como é cobrado, e apesar de existir uma tarifa diferente para o comércio e indústria, estes estabelecimentos apresentam um consumo mínimo de água, díspar do seu lixo. Tanto mais injusto se torna já que a esmagadora maioria dos estabelecimentos comerciais não tem nem encoraja hábitos de redução de lixo como é o caso dos sacos oferecidos a rodos, sem qualquer cobrança nem real necessidade quantitativa.

A revisão da forma como é cobrada a tarifa de resíduos sólidos é pois urgente de forma a cobrar o valor devido e a introduzir progressivamente na sociedade novos hábitos.

Ainda as auditorias

[publicado no Diário de Aveiro, 12 de Maio de 2006]

A Assembleia Municipal aprovou por unanimidade a adjudicação de uma auditoria externa às contas da Câmara Municipal de Aveiro em reconhecimento da importância de, face ao colossal passivo da Câmara, esclarecer rigorosamente a situação financeira como ponto de partida para o futuro.

Chegados a este ponto, com um passivo a rondar os 180 milhões, graças a opções passadas e a um modelo de desenvolvimento com o qual discordamos, deparamo-nos com o facto de que basta nada fazer para que a dívida continue a aumentar desmesuradamente só à custa dos custos das operações financeiras. Existem responsabilidades políticas concretas relativas ao acumular desta dívida, em grande parte do executivo socialista de Alberto Souto. Contudo, a Assembleia Municipal também tem as suas responsabilidades uma vez que, à data sem a representação do Bloco de Esquerda, aprovou por unanimidade a construção de um estádio faraónico para receber dois jogos no Europeu de Futebol, agravando a situação financeira.

Após essa decisão a realidade alterou-se e as contas da Câmara estão já sob uma auditoria da Inspecção Geral de Finanças. Com este cenário a insistência na contratação de uma auditoria externa privada parece descabida.

Antes de mais, face à situação financeira da Câmara, pagar cerca de 150 mil euros por um auditoria privada surge como despropositado e como desperdício de fundos quando se encontra em andamento uma executada por um organismo estatal.

Com as duas auditorias em simultâneo os técnicos da Câmara não terão mãos a medir com o seu trabalho do quotidiano e ainda com a resposta às muitas solicitações dos técnicos das duas auditorias que pretendem dados e documentos, por vezes em forma diferente. Estes serviços camarários estarão completamente entupidos durante este período de tempo e condicionados no desempenhar do seu normal papel.

O mais acertado parece ser deixar decorrer a auditoria da Inspecção Geral das Finanças; e, após o seu término e partindo da sua análise, caso se mostre necessário, contratar uma auditoria externa a pontos específicos que ainda precisem de ser esclarecidos. Nestes pontos poderiam ser incluídas as empresas municipais, não abrangidas na auditoria do Ministério das Finanças. Neste cenário, alcançaríamos uma maior complementaridade das duas auditorias em vez desta presente sobreposição.

Um dos argumentos a favor das duas auditorias é a rapidez da privada face à estatal. A ser, justifica-se este gasto acrescido? Estando o concurso da auditoria privada atrasado, a existir, de quanto será este desfasamento? Neste particular, a Administração Central, através do Ministério das Finanças e do Tribunal de Contas, devia estar organizada de forma a garantir resposta, em tempo útil, a pedidos de auditorias por parte de organismos estatais. De facto existem as mais variadas Instituições Públicas a recorrerem a prestações de serviços externos nesta área, quando o Estado os podia garantir com isenção e sem gastos acrescidos.

Falamos agora de auditorias, no futuro continuaremos a abordar mais temas associados à divida. Olhamos à nossa volta à procura das melhorias introduzidas na nossa vida que justifiquem a acumulação de tamanha despesa, mas nada contemplamos. Pequeninos numa cidade de betão atulhada apercebemo-nos que a melhoria da qualidade de vida não passa pela edificação amorfa.

Torna-se muito difícil abandonar esta redoma de vidro em que nos aprisionamos, mas é necessário fazerem-se opções para um modelo de desenvolvimento sustentado centrado na coesão social e na melhoria real da vida dos munícipes.

Aprendizes de matemática

[publicado no Diário de Aveiro, 5 de Maio de 2006]

Anuncia-se que se vão anunciar medidas, é assim que tomamos conhecimento das alterações na Segurança Social que o Governo se comprometeu a efectuar.

É indiscutível que a Segurança Social a continuar no quadro actual está condenada à falência. Urge portanto tomar medidas. E o que é que o Governos nos propôs? Como um qualquer aprendiz de matemática apresenta-nos a solução milagrosa: pagar mais, trabalhar mais tempo e receber menos. Contas fáceis de fazer.

Ao mesmo tempo indexam o valor da reforma à esperança de vida. Falam como se o aumento da esperança de vida fosse algo estanque, como se tivesse evoluído sozinha. Este desenvolvimento foi acompanhado por uma miríade tecnológica e por novos conceitos de organização que possibilitaram um extraordinário aumento da produtividade e eficiência laboral. Produzimos mais e melhor mas parecemos condenados ao trabalho. O aumento da esperança de vida parece não se traduzir em nada mais a não ser na obrigação de nos perpetuarmos enquanto máquinas produtivas. Parece que a existência do ser humano fora deste ciclo, ainda que para ele tenha contribuído grande parte da sua vida, é vista como excedentária.

Assistindo ao aumento do tempo de vida do cidadão produtivo apenas se olha à gananciosa possibilidade de aumentar o seu tempo de produtividade.

De registar ainda o subterfúgio linguístico da anunciada convergência entre o sistema dos trabalhadores públicos e privado. Invariavelmente convergência tem ganho novo significado: igualar por baixo.

Armados de máquina de calcular adiantam soluções técnicas para a sustentabilidade da Segurança Social. Contudo esta alegada crise não é exclusivamente económica. Na sua essência é de matriz política, mas de opções políticas o governo não se ocupou.

Estudiosos do problema sugerem que é necessário que o financiamento da Segurança Social deixe de ser fundamentalmente garantido pelo vínculo laboral. Aconselham um conceito baseado na cidadania, com um sistema financiado por fontes de rendimento provenientes tanto do trabalho como do capital. Uma opção política que deve no mínimo ser pensada. Tanto mais face à realidade dos dois mundos que progressivamente se apartam em Portugal.

A taxa de desemprego, as frustrações e dramas que oculta, tem o efeito duplo de retirar contribuintes do sistema e os transformar em dependentes do mesmo, situação agravada pela crescente facilidade nos despedimentos. O eixo central de qualquer reforma da Segurança Social teria que passar por políticas de emprego. Aliás as políticas por mais emprego com direitos são fulcrais não só neste particular, mas transversais a todos os problemas sociais e económicos do país. Oportunidade perdida para uma discussão indispensável.

Imaginarius

Ontem fui ao imaginarius, festival internacional de teatro de rua de Santa Maria da Feira.

Em relação aos anos anteriores deixou muito a desejar. Mesmo assim tive direito a brincar com um paninho de trapos que se transformava num panão do tamanho do mundo. Uma teia que por mais que se puxasse ela estendia e alastrava. Um farrapo que de pronto envolvia toda a multidão. Brinquei de tal forma que na roupa e no corpo ainda encontro fragmentos de teia. Só me libertei totalmente no banho.

quinta-feira, maio 18, 2006

A ventura

Dou por mim a escrever sobre príncipes*.
Príncipes do descartável, mas não deixam de ser príncipes.
Nobre criatura de cavalo alado,
Cabrão em busca de donzela em apuros.

Heróico salvamento,
Porventura cartel com o dragão.
Torpe engano dos sentidos.

Ao quadrúpede extorqui as asas,
Das suas vísceras urdi minhas iguarias.
Degolado o inane príncipe,
Do seu vermelho me saciei.

A sublimação da ausência
Da dourada auréola,
Magnificente coroa.

A acrimónia do sofrimento
Une-se ao regozijo da demanda
Do aperto que nos vem acariciar,
O beijo.

* Artigo Príncipes do descartável, a ler somente na
próxima 6ª feira no Diário de Aveiro

Erosão costeira

[publicado no Diário de Aveiro, 22 de Abril de 2006]

Na praia brincamos com areia, inconscientes do seu permanente movimento.

A areia move-se incessantemente pela acção do mar e do vento através de mecanismos complexos, mas bem compreendidos. Na costa atlântica portuguesa predomina a deslocação de norte para sul. A areia move-se numa cadeia que não pode ser interrompida sob pena de graves problemas com o avanço das águas.

Pelo menos nos últimos três mil anos, o litoral português ganhou espaço em direcção ao oceano. Contudo, nas últimas décadas esta tendência inverteu-se, o que se deve em pequeno grau à subida do nível médio das águas do oceano e principalmente ao caos urbanístico e à intensa utilização da costa.

O recém noticiado Relatório do Estado do Ambiente em Portugal, relativo ao ano de 2004, colocou grande parte do distrito de Aveiro como os locais mais críticos em relação à erosão costeira. De todo o relatório, as zonas mais ameaçadas são o troço Espinho-Cortegaça (recuo de 3,2 metros), o troço Costa Nova-Vagueira (8,0) e a praia do Furadouro (9,0).

Em Portugal, a habitual resposta para a erosão costeira é a construção de pontões, estruturas perpendiculares à costa, a custos exorbitantes (a rondar os cinco milhões de euros por cada um destes montes de pedra de estética duvidosa). Todavia estas estruturas nada resolvem, apenas adiam o problema uns metros para sul com uma maior gravidade que o problema original. É o caso do pontão da praia da Aguda, construído supostamente para ser um pontão em forma de “L” descolado da costa. Em poucos dias ficou unido à costa, repercutindo os seus efeitos no troço Espinho-Cortegaça com o recuo registado.

Chegados a este estado o que fazer para o inverter? Construir mais pontões para ir adiando e amplificando a erosão para qualquer outro local? Destruir o já construído depois de gasto tamanha quantia? Geralmente, a resposta é ir construindo progressivamente um pontão de cada vez. O problema criado por uma estrutura justifica a construção da próxima, o exemplo é o pontão construído em Vilamoura que forçou a construção de muitos mais Quarteira fora. Neste particular o melhor a fazer é mesmo nada fazer.

Na Grã-Bretanha têm sido construídos pontões paralelos à costa que se assemelham a um traço descontínuo em que variam três factores consoante a especificidade do local: a distância à costa, a distância entre estruturas e o comprimento de cada estrutura. A construção destas estruturas, em alguns casos totalmente submersas para diminuir o impacto visual, obriga ao total conhecimento do hidrodinamismo do local e não bloqueia a circulação de areia, diminuindo os efeitos danosos. Melhor solução que a portuguesa.

Certamente a solução não passa pela contínua construção destas estruturas, ainda que no modelo britânico. Uma verdadeira e definitiva solução tem que passar pela origem do problema e não pela resposta e simultânea criação de novos problemas.

O fluxo de areia vê-se cada vez mais privado da sua essência. A extracção legal e ilegal de areias de rios e praias e as barragens reduz em muito a alimentação necessária à costa. Ciente da necessidade destas actividades, é necessário um maior planeamento e fiscalização. A destruição dos sistemas dunares e da sua vegetação pela construção legal e ilegal, pelo pisoteio e pelos parques de estacionamento improvisados no Verão impede a fixação de areias e logo a sua crescente depleção.

Incrível como no século XIII se fez mais e melhor contra a erosão costeira do que nos tempos actuais com a panóplia tecnológica existente. De facto o pinhal de Leiria foi uma solução bastante simples e eficaz para a fixação de areias.

Face à grave situação no distrito é inexplicável que se continue a insistir – como na recente entrevista do Presidente da Câmara de Ílhavo – na construção da Marina da Barra e do verdadeiro complexo imobiliário que a envolve, projecto já chumbado duas vezes pelo Ministério do Ambiente.

Um projecto imobiliário desta envergadura a ocupar uma parte considerável de um braço da Ria junto à entrada do mar terá severos efeitos na dinâmica do sedimento, agravando os problemas de erosão já existentes. E, caso se efectivasse a sua construção, justificar-se-ia com a sua própria presença para a construção de mais estruturas necessárias à sua protecção: o ciclo típico.

Pirataria ou a recusa da formatação?

[publicado no Diário de Aveiro, 14 de Abril de 2006]

A cultura engloba os padrões de conhecimento, educação, práticas, costumes, tradições, linguagens e outras formas de expressão pela qual o Homem assimila, sente e transforma o que o rodeia.

A transmissão intergeracional de características biológicas pode ocorrer apenas de duas formas: geneticamente ou pela aprendizagem social; com processos de variação e selecção a moldarem a evolução biológica no primeiro caso e evolução cultural no segundo.

Como vemos a cultura e o caso particular da criação artística são essenciais à coesão social e ao desenvolvimento civilizacional. Contudo na economia de mercado a arte e a cultura surge-nos como mera mercadoria, bem de consumo pronto a ser transaccionado.

Recentemente John Kennedy, presidente da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) veio a Portugal ameaçar com multas até € 5.000 em processos extra-judiciais contra quem tenha partilhado ficheiros de música através da Internet. Em relação a este anúncio não me interessa a discussão jurídica, apesar de duvidar da legalidade desta medida e mesmo do sucesso de eventuais processos em tribunais. São os agentes políticos que propõem e constroem a legislação, definindo assim o que é legal e ilegal, interessa-me pois a discussão política.

Os direitos de autor deverão ser sagrados. O artista e criador deve ter os todos direitos intelectuais e monetários da sua obra protegidos. A própria natureza primordialmente imaterial dos bens culturais dificulta a definição do seu conceito de propriedade e da melhor forma de o proteger pelo que é necessária uma reflexão profunda neste campo.

A utilização da partilha online de ficheiros culturais que tenham como fim a venda e a obtenção de lucro terá necessariamente que constituir infracção ilegal. Contudo a iniciativa da IFPI pretende atingir também os utilizadores que obtém músicas através de download para seu uso particular.

Que se considere ilegal esta segunda conduta parece-me extremamente errado. A Internet é um meio de divulgação por excelência onde potenciais compradores e artistas se descobrem. Caso se tratassem de bens perenes certamente se registaria um aumento na venda destas músicas, quando para tal o dinheiro ou a oportunidade surgisse por parte do utilizador.

O problema para a indústria é que o seu modelo de negócio baseado no maior lucro no menor tempo possível não se coaduna com a divulgação de produtos através da Internet. Isto uma vez que investe em produtos descartáveis, substituídos freneticamente, e inábeis em se tornarem produtos de consumo duradouro. Desta forma a obtenção da música no sistema peer-to-peer não se traduz em vendas dado que o interesse por estas músicas se esvanece rapidamente.

O que é bastante claro é que o Sr. Kennedy veio defender os interesses da indústria que representa e não os interesses dos artistas, do público e da cultura em geral, tanto mais que a margem do royalties dos autores é bastante reduzida. Praticamente tudo o que vemos, lemos e ouvimos é-nos trazido por apenas sete multinacionais, sendo que a antiga empregadora do Sr. Kennedy apresenta lucros semelhantes à soma das restantes seis.

Cada uma destas empresas detém os meios de produção, distribuição, publicidade, informação, exibição e algumas ainda fabricam os próprios suportes e leitores digitais; daí a preferência pelo formato digital que também é o que depois mais facilmente é partilhado pela Internet.

Face a este monopólio é notório que o fim da partilha de ficheiros online irá beneficiar somente estas multinacionais. Editoras alternativas e artistas independentes enfrentariam uma dificuldade colossal de ver o seu trabalho atingir o público.

A discussão trazida pela IFPI aparece fora do contexto da realidade Portuguesa já que o Estado impõe uma taxa de IVA de 21% nos produtos culturais, não lhes reconhecendo a sua importância social; as rádios apresentam playlists bem limitadas e não respeitam a música portuguesa; os servidores de Internet oferecem grandes velocidades e quantidades de up e downloads, sempre desresponsabilizando-se do uso que lhes é dado, mesmo que anunciem que já podemos ter todos os filmes e músicas que queremos.

O afunilar estético praticado por estas produtoras-distribuidoras-exibidoras é tanto mais grave já que os actuais grandes meios de sociabilização são exactamente os seus produtos. A exposição a estes bens culturais influencia a nossa visão sobre mundo, os nossos valores e ideias, no fundo são tijolos da nossa construção enquanto indivíduos. Atesto que a própria escrita deste artigo empregou sete estrangeirismos.

Sendo a transmissão cultural fulcral para a construção da Humanidade e transmissível através de características biológicas para as gerações seguintes devemos analisar a gestão dos bens culturais em termos de benefício para a sociedade. A uniformização cultural reduz a consciência critica do indivíduo e inevitavelmente da Humanidade no seu todo.

quarta-feira, maio 17, 2006

Oh fax favor, era uma faquinha para um assassinato

Esta segunda-feria no Porto um trabalhador da construção civil mandou um piropo a uma rapariga.

O namorado não gostou, entra num restaurante, pede uma faca, e zás mata o tipo de 43 anos que tinha três filhos, dois dos quais menores.

Tamanha desfaçatez.

segunda-feira, maio 15, 2006

Cão do Mato

Estava eu a falar com aquilo que eu pensava ser um Cão do Mato, o Hélio.
Mas de pronto me desenganei. Então não é que este Animal-Porco me disse que tinha acabado de correr.

Vivendo ele em Belide estava já eu a imagina-lo a correr por entre os campos de papoilas, a furar por entre os pinheiros, a rebolar nos malmequeres. A aproveitar a plenitude de cores que é a Primavera.

Mas não... este Abono que as arrume, esteve a correr num tapete rolante enfiado nas suas quatro paredes, nitidamente para o tordo. De quatro merecia este Tápir ficar, já que Cão do Mato não é! Hélio, canta o hino, és o piuriu. Fáquiri.

Convém dizer ainda que este abuinho assitiu ao delírio de meiinho discrito neste blog, mundo.

É caso para dizer VTPNP AQESPET

Assim se fala em Belide.

Adenda: O Hélio pediu encarecidamente que eu explicitasse que esta foto não é do melhor lado dele. Fica a informação.

domingo, maio 14, 2006

Os jornaleiros de amanhã

[publicado no Diário de Aveiro, 7 de Abril de 2006]

O meu avô trabalhou como jornaleiro. Já são raras as pessoas que conhecem o significado desta expressão. Quando a semântica é ultrapassada pela realidade há palavras que caem no desuso e por fim no esquecimento. Jornaleiro é o operário a quem se paga a jorna, isto é o salário diário. Sem qualquer vínculo contratual, a não ser o vigente de sol a sol, o meu avô palmilhava os campos agrícolas.

Desde a realidade do jornaleiro a Terra girou e muitas lutas e sacrifícios depois muitos direitos laborais e de dignidade humana foram alcançados.

Surge-nos agora o contrato primeiro emprego, CPE, como um fenómeno francês, distante portanto. O que é isto afinal? A avaliar pelas notícias televisivas o que se passa em França resume-se a uma centena de jovens em violentos confrontos com a polícia, passando por aqui a justiça ou injustiça da coisa. Antes de mais convém esclarecer que entre estudantes do ensino superior e secundário e trabalhadores chegaram a juntar-se três milhões de pessoas em simultâneo nas manifestações. Como tal a centena que participa em distúrbios é um número insignificante que somente se representa a si própria.

Longe destas luzes mediáticas vejamos o que realmente se passa. O Governo francês avançou com a legislação do CPE, no qual qualquer jovem com menos de 26 anos pode ser despedido nos primeiros dois anos de contrato (um, se a iniciativa hipocritamente conciliadora do presidente Chirac avançar) sem que para isso o empregador necessite sequer de apresentar um motivo (poderá ter que comunicar ao jovem uma qualquer razão, se a iniciativa presidencial tiver frutos). É portanto necessário analisar a justiça da coisa pelo que ela é de facto. É esta alteração legislativa que está em causa.

O contrato primeiro emprego é apresentado pelo governo de direita como uma medida visando a criação de mais emprego. Facilmente nos apercebemos que esta justificação não corresponde à realidade. Na sua essência o CPE é uma bandeira do neo-liberalismo, de um modelo de desenvolvimento assente na precariedade de um emprego sem direitos. Torna-se claro que com a aprovação do CPE o jovem empregado é mão-de-obra barata e descartável sem qualquer poder reivindicativo. Findos os dois anos o empregador pode prescindir dos seus serviços e contratar, a preços de saldo, outro jovem com iguais anseios pelo seu futuro.

Interessa-me ainda falar da democraticidade da coisa. A mesma direita neo-liberal garante que a democracia não se compadece com greves e manifestações. A democracia não se faz nas ruas, faz-se no voto – como me afiançaram num recente debate na AveiroFM. Não restam dúvidas de que o Governo francês está legitimado pelo voto democrático para legislar. Contudo a visão de democracia deve ser bem mais abrangente. Tratando-se do governo pelo povo e para o povo devemo-nos interrogar se esta medida vai de encontro aos interesses da população e se é substanciada pelo seu apoio. Em relação aos interesses que são servidos pela lei rapidamente chegamos a uma conclusão: os económicos mas não o das pessoas. Devemos ainda ter presente que as grandes conquistas da liberdade em democracia tiveram as suas raízes nas ruas, como é o caso dos direitos dos trabalhadores, das mulheres, das minorias raciais entre muitas outras.

Deparamo-nos ainda com a redundância da coisa. Chegados a este ponto de pobreza e desigualdade social graças ao modelo neo-liberal, dizem-nos que para as corrigir se deve aprofundar o mesmo modelo no mesmo caminho. Quantas mais vezes teremos que bater com a cabeça na parede? É preciso resistir à investida. É nossa responsabilidade refutar este pensamento único e na alternativa construir um mundo com lugar para todos.

Deste modo, discutir o CPE em Portugal faz todo o sentido. O neo-liberalismo através da tentativa francesa tenta incluir esta proposta na agenda politica europeia, tal como no futuro próximo nos tentará impingir a flat tax (taxa de IRS indiferenciada) como a solução para a fuga ao fisco sem nada nos dizer sobre o sigilo bancário.

Beneficiamos hoje do esforço de muitos homens e mulheres que lutaram para que as gerações seguintes tivessem uma melhor qualidade de vida que as suas. Não podemos consentir que os frutos do seu esforço e sofrimento caiam por terra sem sementes. Dos meus vinte e quatro anos não posso ser indulgente com a possibilidade do retorno do “jornaleiro” à nossa vivência.

Em resposta a D. António Marcelino

[publicado no Diário de Aveiro, 5 de Abril de 2006]

O Bloco de Esquerda recentemente apresentou um projecto-lei que visa a inclusão no Código Civil da possibilidade de divórcio a pedido de um dos cônjuges. De acordo com a lei actual o divórcio só é admitido por mútuo consentimento ou processo litigioso.

Esta iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda foi abordada num artigo de opinião de D. António Marcelino, bispo de Aveiro, neste mesmo jornal no passado Domingo. Reconhecemos o direito de qualquer cidadão em exprimir a sua opinião, por esse direito sempre nos batemos e o continuaremos a defender como pedra basilar da nossa democracia. Pelas mesmas razões temos o direito de clarificar as nossas posições, argumentá-las, debater argumentos contrários e denunciar hábeis fugas à verdade e à realidade.

Antes de mais importa esclarecer o conteúdo da proposta do Bloco de Esquerda. De acordo com esta proposta, o divórcio a pedido de um dos cônjuges começaria com uma conferência onde o conservador convoca os cônjuges e os tenta conciliar. Caso esta reconciliação não seja possível o requerente deverá renovar o pedido de divórcio após um período de reflexão de três meses e dentro do ano subsequente à primeira conferência; se assim for, o conservador convoca uma segunda conferência em que tentará, pela segunda vez, reconciliar o casal, declarando o divórcio caso a reconciliação falhe e na verificação dos restantes pressupostos legais. Previamente ao pedido de divórcio, na existência de filhos menores, será obrigatório o requerimento da regulação do exercício do poder paternal no tribunal competente.

O argumento de que “as leis divorcistas portuguesas são as mais facilitadoras da Europa” não corresponde à realidade. Em Portugal, à semelhança da maior parte dos países europeus, a actual lei assenta no princípio da culpa e não na verificação do fracasso do casamento. Excepções são Alemanha, Suécia, Noruega, França e Espanha (para além dos EUA) que já realizaram esta transposição. Na vizinha Espanha o ano passado procedeu-se à alteração legislativa assente na vontade do indivíduo.

A verdade é que as duas possibilidades existentes no quadro legal existente, forçam a preponderância da culpa nos divórcios, o que torna o processo mais doloroso já que obriga à exposição da intimidade e intensifica os conflitos já existentes. Em Portugal a vontade individual dos cônjuges só é tida em conta no acto de casamento e no divórcio de consentimento mútuo. Parece-nos lógico que um casamento só pode continuar a existir com a concordância de ambos os cônjuges. Poderá alguém ser considerado culpado de deixar de amar o cônjuge?

Afirmar que estas leis são feitas “por muita gente divorciada ou a caminho, ávida por captar simpatias e votos” é de uma desonestidade intelectual gritante, para além de, como é óbvio, não corresponder à realidade. Trata-se do equivalente ao que já li com bastante desagrado, de que quem recusa a si próprio o casamento e não sabe o que é ter companheira e filhos se devia abster desta discussão. Ambos os argumentos são repudiáveis. Todo o ser humano, não obstante a sua condição, é livre de possuir e divulgar a sua opinião sobre tudo o que o rodeia, podendo em tudo ser contrariado.

Concordamos com D. António Marcelino quando diz que os legisladores “não podem desconhecer o país e os seus valores culturais, nem fechar os olhos ao que se passa ou ter apenas dos problemas uma visão unidimensional”. Foram exactamente estes os motivos que levaram o BE a apresentar o documento em questão. Já desde o século XIX que o casamento assenta nos sentimentos e na afectividade, logo depende da vontade mútua de duas pessoas que decidem procurar juntas a felicidade e a realização pessoal. É o autor do artigo de 2 de Abril que demonstra uma visão unidimensional do problema já que tenta impor a sua concepção de casamento a toda a sociedade. O diploma do Bloco não impõe nenhuma visão a ninguém, apenas reconhece o direito à individualidade e à livre escolha de cada cidadão.

É aliás a visão atenta, diversificada e preocupada do Bloco de Esquerda que o faz não só avançar com propostas nesta matéria, mas em tantas outras relacionadas com os modelos de vida em conjunto e de construção de famílias, cada vez mais adaptadas a novos tempos e novas realidades.

É desejo de todos que as relações estejam sempre acompanhadas de amor e felicidade. Mas, na impossibilidade de legislar afectos, a lei tem que ir ao encontro da realidade e da sociedade. Não se justifica obrigar alguém a manter no papel um contrato que na prática já não o é. O que vale manter um casamento em que um dos elementos constituintes do casal não se sente realizado? O amor nunca poderá ser imposto.

A Ilusão da Visão

Ao que parece ontem foi prestada uma mega-homenagem à Ilusão da Visão.

10 kg

Isto já não está tão mau. Apenas faltam 10 kg.
O que acontecerá daqui a um mês!?
Será possivel reduzir 4 kg sem esforço nenhum!?
Dia 14 de Junho conversamos.

quarta-feira, maio 10, 2006

A guerra nunca é bonita

[publicado no Diário de Aveiro, 24 de Março de 2006]


Três anos se completaram desde o início da invasão do Iraque. Aniversário marcado pela maior ofensiva militar desde a invasão. Em apenas 21 dias a tão mitigada perigosa-nação capitulou; contudo a falta de planeamento pós-invasão e a oposição da população fizeram com que volvidos 3 anos a situação seja caótica.

Flash. Perigosas armas de destruição massiva, agentes químicos e biológicos prontos a atingir o Ocidente em poucos minutos, asseguram ao pormenor. Durão Barroso, anfitrião das Lajes, viu provas inegáveis da existência de tais armas, garante. À revelia do Direito Internacional e do Conselho de Segurança da ONU se avança. Idóneas criaturas.

Encenação propagandística. Encarcerados no sofá nos asseveram como real o resgate da soldado Jessica Lynch, o derrube do Saddam de bronze coberto pela bandeira estado-unidense, o peru de plástico exibido por Bush, a heróica captura de Saddam. Adornos mediáticos.

Fazedores de opinião. Em plena guerra adormeci com a notícia de um iraquiano, que infiltrado nas linhas inimigas, lançara uma granada para uma tenda com militares americanos. Os comentadores de serviço asseguram tratar-se de terrorismo, já que o suspeito não avisara com antecedência (!!). Acordo, bocejo e eis que afinal a granada foi lançada por um americano muçulmano a mando dos opositores. Almoço e por fim era apenas um soldado que padecia de doença mental.

Imagens de uma guerra asséptica em tons de verde, recortada minuciosamente por bombas inteligentes nos forçaram a retina. Verdes clarões que o vermelho ocultam. Ao longe, não sentimos a angústia do estridente alarme de ataque aéreo; o ardor da explosão; os amargos estilhaços do amor; a agonia da procura de queridas entranhas por entre os escombros; a náusea da descoberta; a dor da ausência; a irascível visão do amanhã.

Longe de casa, apartados de famílias e amigos, soldados de botas ensanguentadas marcham ao batuque de senhores de guerra com aprimorados sapatos. Treinados para matar são transportados da plenitude dos afectos, das apaixonadas carícias para o campo de batalha, para o odor de corpos dilacerados. A saudade do toque; a lonjura do conforto; a distância do amor; treinados reagem aos seus condicionamentos. Nem de tudo o kevlar protege. Imaculados senhores entoam o panegírico da morte enquanto se tingem de negro óleo.

Temperado pelo sal das lágrimas, inocentes de ambos os lados exacerbam seus ódios esquecidos. A norte e a sul da trincheira a propaganda macera infernalmente, a catarse é proibida, a tranquilidade não é opção.

A realidade da guerra não é adocicada, é a violência, o descontrolo, a tirania, a opressão, a barbárie, a crueldade. A desumanização dos rostos. Daí derivam a tortura e os maus-tratos a civis.

Um mundo mais seguro, um Iraque livre e democrático prometeram. Apenas semearam um ninho de intolerância, pronta a espalhar-se por todo o globo; apenas conseguiram colocar o país em guerra civil. Nada mais conseguiram que o fracasso da guerra cosmética. A guerra asséptica não existe. O fracasso da guerra da mentira. Nem todas as falácias politico-mediáticas foram suficientes para nos toldar o olhar.

E agora, pasme-se, desenham já planos para uma futura invasão do Irão com a mesma serenidade como quem diz “mais uma volta mais uma viagem”. Da guerra serei crente e adepto quando os líderes visceralmente se digladiarem num ringue. Prossigo a minha demanda pela inocência perdida.

Saúde em Portugal: uma doença crónica

[publicado no Diário de Aveiro, 17 de Março de 2006]


A Constituição da República garante a protecção da saúde através do acesso a um sistema nacional de saúde (SNS) universal e tendencialmente gratuito. Actualmente os portugueses pagam directamente 30% dos custos de saúde, das quantias mais elevadas da Europa. As taxas moderadoras têm – bem ou mal – a função de desincentivar a afluência abusiva aos serviços hospitalares, não devendo portanto constituir uma parte importante do seu funcionamento. De pantufas vai-se delapidando a gratuitidade da saúde. Por ora altera-se o princípio subjacente a estas taxas transformando-as progressivamente em cobrança de serviços. Com despudor atenta-se contra um dos mais básicos pilares da dignidade humana. O pequeno e discreto passo – o aumento das taxas moderadoras – representa a mudança de paradigma no SNS tornando-se no cavalo de Tróia para minar o direito do cidadão aos cuidados de saúde.

O Ministro da Saúde, Correia de Campos, admitiu estar a ser ponderado um novo modelo de funcionamento do SNS com a coabitação de três hipóteses de pagamento: compartição total do Estado, a 75% ou a 50%, sendo os restantes encargos suportados pelo utente. Face à pronta e alargada oposição o Ministro rapidamente suavizou o discurso, mas nunca colocou em causa a afirmação inicial. Por conseguinte este poderá ser o vaticínio de mais e maiores ataques ao acesso universal à saúde.

Sem tempo para recuperar o fôlego, nem um mês volvido surge-nos o avolumado aumento das taxas moderadoras, atingindo os 23% nas urgências hospitalares. A ideia de mexer neste particular não é nova. Santana Lopes propôs-se criar taxas diferenciadas. O então Presidente Jorge Sampaio interviu de imediato assegurando que não contassem consigo para a aprovação da lei. Também José Sócrates, na oposição, reagiu dizendo que se tratava apenas “do aumento das taxas”, na prática “um novo imposto sobre a saúde”, o que lhe parecia “muito errado”. José Sócrates afirmava que a solução para o deficit da saúde devia passar pelo combate à fraude fiscal. Um ano decorrido e a acção e a retórica encontram-se em desarmonia. Não deixa de ser um péssimo prenúncio que logo após a saída do Presidente Jorge Sampaio esta lei tenha sido anunciada; certamente o Governo sabe com o que contará no futuro.

Poderíamos pensar que o Governo teria uma política integrada para o sector, sendo esta medida uma parte de um todo coerente. Desenganemo-nos. O sistema nacional de saúde apresenta vários problemas e deficiências, limitações de meios médicos, restrições e condicionamentos em diagnósticos e tratamentos, apresentando extensas listas de espera. Apesar destes factos, Portugal é o sétimo país da OCDE com maior despesa per capita na saúde. Não se tratando primordialmente de uma questão de investimento pouco tem sido feito para corrigir os erros e as escolhas do passado. Os referidos aumentos surgem ainda acompanhados do encerramento de várias maternidades e de serviços de urgência nos centros de saúde e hospitais, com especial incidência no interior, agravando as assimetrias. Neste momento 400 mil portugueses já estão a mais de 60 minutos das urgências mais próximas, o tempo considerado máximo para um tratamento eficiente ser exequível.

O modo de vida, a alimentação, os comportamentos culturais, a poluição, o stress físico e emotivo das sociedades ocidentais acarreta a ocorrência de doenças muito específicas destas sociedades. Mais uma vez falha a visão integrativa de políticas de saúde, o investimento não é direccionado para medidas profilácticas de promoção de hábitos e locais saudáveis quer em casa, no trabalho ou na rua. Existe ainda a lacuna na abordagem do problema social e cultural do envelhecimento e da necessidade de cuidados paliativos.

O estado social europeu está em crise. Portugal se pretender afirmar-se como um estado europeu moderno deve pugnar pela sua preservação e aprofundamento, não só porque se trata da nossa identidade mas também por ser a melhor forma de proteger os cidadãos e lhes conferir mais direitos. É preocupante a visão de um Portugal onde o acesso a cuidados médicos seja apenas concedido a pagadores de seguros, com os demais excluídos. Será inquietante que, esquecida a perspectiva histórica seja esta a realidade considerada normal e única possível na consciência das gerações futuras.

Artigos

Por ordem cronológica, dois a dois aqui vão ficando até conseguir chegar ao presente.

segunda-feira, maio 08, 2006

Sexo ao som de Mão Morta


Ontem fui a um concerto de Mão Morta ("outro" dirão uns, "grande novidade" dirão outros, "não te cansas" perguntarão os restantes).

Queima das Fitas de Coimbra, logo o local menos propício para assistir a um concerto desta banda.
Os seis elementos dos Mão Morta tocaram as primeiras músicas com seis máscaras diferentes do Cristiano Ronaldo, certamente por pensarem o mesmo que eu relativamente a estes concertos de queimas.

Mas o mais interessante foi o que me contaram. Ao que parece, há uns tempos, durante um concerto no Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra) um rapaz e uma rapariga escapam-se até à última fila, deserta. Aí digamos que dão asas à imaginação. Mas nada foi deixado ao acaso, no final do concerto naquele local estavam pétalas de rosa espalhadas pelo chão.

Afinal ainda há românticos...

Adenda: segundo um elemento dos Mão Morta, o concerto foi da digressão Nús, e um funcionário encontrou o arrojado casal e correu com eles. De acordo com o funcionário "Um gajo vê com cada uma que, contado, ninguém acredita..."

Sopa dos pobres

Desconheço profundamente a capital. Como este fim de semana estive por lá aproveitei para durante a noite partir à descoberta. Optei por ir a pé até ao bar b.leza, não usando em nada a linha recta, nem sempre a distância mais curta é a mais apetecível. Pela noite caminhei uns 10 Km (no regresso do bar até ao hotel optei por arranjar boleia, pudera). O bar realmente era surpreendente. Situado num edíficio do século XVII.

Infelizmente a descoberta que mais me impressinou aconteceu quando me cruzei com uma distribuição da sopa dos pobres.

Nunca imaginei a imensidão daquela multidão. Gente com rosto. Gente sem comida.

sexta-feira, maio 05, 2006

Devaneios à discrição

Mandei as vísceras do blog pelo caminho para a lua até à Costa Rica e voltaram como eu queria, finalmente há “devaneios” neste blog.

Apeadeiros by Nigth

O tédio, o enfado, o fastio de uma hora sem nada fazer levaram-me a conceber este novo conceito de viagem Porto-Aveiro. A luz fez-se claramente no comboio das 21h35 que pára em todas. Ora o Apeadeiros by Nigth é uma grande festa, uma hora de animação. Transformar o comboio nocturno em antro de divertimento. Oh quimera.

Vinha o pessoal em alto delírio durante toda a viagem. A cada estação, a cada apeadeiro a exaltação sobe de nível, música sibilante. Quando os passageiros já estão em fulgor máximo eis que se dá o clímax da viagem, a chegada a Salreu. Quem não sabe o que é a emoção de parar no apeadeiro de Salreu? Observar a verde relva artificial, perceber se este é o dia raro em que as portas se abrem, tentar perceber como é possível uma cadeira de rodas passar por ali, deslindar se alguém faz aquelas centenas de metros e degraus para atravessar a linha.

Será que há mesmo quem ligue ao letreiro “É expressamente proibido atravessar a linha”, ou na sua tradução para português corrente “F#d*-t*, sabemos bem que tens que atravessar a linha mas não nos responsabilizamos”.

Portanto na chegada a Salreu dá-se a catarse. Os passageiros soltam a sua raiva acumulada. Quantas festas os parafusos e porcas provisórias aguentarão!?

E assim prossegue a viagem, um pulinho até Aveiro. Com a cólera expulsa violentamente a excitação decresce até chegarão destino. E prosseguimos a nossa demanda no dia seguinte de forma bem mais tranquila. Serviço público.

Em breve os novos conceitos associados: o Entroncamento by dawn e o Acetil by morning.

Amesterdão, have a big fun

Alguém quer contar bicicletas?

Aproveito ainda para dizer que abandonei a Soraia no hotel em Amesterdão. Sei que foi um acto frio e cruel, especialmente depois da companhia que me fez a Edimburgo à Cimeira G8.

Já agora para quem não sabe a Soraia é um colchão insufável de praia de valor comercial € 1,50. A Soraia teve também direito a um anjo verde (reservado para as personagens imaginárias) na árvore de Natal da minha passagem de ano. A árvore de natal mais original de que há memória, um pessegueiro [nada de trocadilhos] morto.

O referido Pessegueiro de Natal tinha ainda outras figuras imaginárias como o Osório (o querido e prestável aquecedor) e anjos vermelhos com o nome de cada convidado. Por baixo de cada anjo vermelho estava o saquinho surpresa, cozido à mão pelas anfitriãs. Dentro de cada saco encontrava-se uma quadra alusiva ao convidado e 12 passas. Original no mínimo.

Minho

Ontem fiz 40 Km pelo Rio Minho num barquinho (ou direi bote) de aluminio, cheguei mesmo a pisar Espanha.

Roupinha de turista. Ainda me lembrei de levar um polar, mas não estava no guarda-fatos... Choveu um pouquinho no início, pareciam agulhas a picar. Impermeavel? Nada disso!

Mas foi muito agradável todo o passeio especialmente o frio gélido que sempre nos acompanhou.

Para aprender que em trabalho a roupinha de turista não é muito útil.

segunda-feira, maio 01, 2006

Land of Plenty

Ontem fui a um casamento. Continuo sem sociabilizar nos casamentos da minha família mas já foi pior, pelo menos neste conhecia a noiva.

Mas o que me intriga são os pregões "o Nelson é a seguir!".

Que fiz eu para que pensem isto? Que actos cometi para que este comportamento seja esperado de mim? Que valores expressei para pensarem que passarei por isso?

Aprendi que bastou ter nascido para ter sobre mim uma série de expectativas que me extravasam. Aprendi que mesmo quem só conhece a minha face sabe perfeitamente o que eu deveria querer.

No próximo funeral em que nos encontremos tenho que me vingar com a mesma pergunta. Para isso sim, basta nascer.

Autoflagelação

Hoje reparei que a estrada estava repleta de fruta madura de cor aberrante... pronta a ser colhida.