[Publicado no Diário de Aveiro, 20 de Junho de 2008]
A acumulação desigual de capital tem sido conseguida essencialmente à custa da exploração do trabalho. A sua evolução porém levou o capitalismo a novas fronteiras com o desenvolvimento de uma esfera especulativa. A tentativa de apropriação da riqueza da esfera pública é uma prioridade, de forma a permitir a geração de fantásticas mais-valias e o controlo sobre vários factores sociais que deveriam pertencer à esfera da democracia. Assim, o assalto aos serviços públicos – saúde e educação entre outros – está na ordem do dia.
As grandes fortunas de hoje são o corolário desta tese. O mais rico dos mais ricos, Warren Buffett, limitou-se a especular na bolsa, uma actividade absolutamente não produtiva. A constituição de grandes fortunas à custa das privatizações a bom preço são incontáveis, desde toda a Rússia a Carlos Slim.
A acumulação e concentração de capital estende-se ainda à apropriação de património colectivo não resultante da esfera produtiva, em prejuízo do interesse público. E esta é exactamente a maior vitória do capitalismo: fazer-nos crer que aquilo que ninguém produziu e que é essencial à vida é propriedade sua pronta a ser comercializada ao melhor preço.
Os recursos naturais existem em quantidade limitada, pelo que a sua posse provoca a sua menor disponibilidade para o resto da comunidade. Os recursos não se produzem, pelo que são finitos e a sua posse, por si só, constituí uma vantagem competitiva para o proprietário sem que tenha sido gerada qualquer mais-valia para a sociedade e sem que nada tenha sido produzido ou criado.
Assim sendo, mesmo num regime de economia de mercado, a posse e fruição dos recursos nunca pode ser comparável e ter as mesmas regras que a das mercadorias. Para mais, o acesso aos recursos é condição essencial à sobrevivência humana.
O monopólio privado e global da energia fóssil há muito que vigora, condicionando o desenvolvimento técnico e científico alternativo e explorando o recurso pelas regras do lucro. Os resultados estão à vista. A distribuição dos dividendos, proveitos e malefícios deste recurso é altamente desigual e injusta.
O petróleo, já o sabemos, ninguém o inventou nem o fabricou. Porém, aquilo que a natureza demorou milhões de anos a formar está a ser esgotado em décadas para gáudio dos poucos que aprisionam as mais-valias. Este uso exaustivo, o condicionamento da técnica e a natureza limitada dos recursos leva a que o campo de batalha da guerra permanente coincida com as melhores reservas de hidrocarbonetos. A deterioração ambiental e as alterações climáticas são também consequência directa da sua exploração para o lucro.
Mais recentemente, a crise energética levou ao desvio de solo para produção de biocombustíveis. Esta ocupação de um recurso limitado, aliado à alta do preço do petróleo (e consequentemente ao aumento do custo de produção agrícola) e ao desvio dos fundos de risco para o mercado de futuros de Chicago provocou outra crise social: o aumento do preço dos alimentos.
Neste particular, Portugal segue a tendência acima descrita: Américo Amorim comprou 13% da empresa energética GALP, cujo valor por acção duplicou no espaço de um ano. O Estado – todos nós – perdeu esta riqueza que era sua, e perdeu ainda a possibilidade de através da empresa energética intervir no mercado condicionando por exemplo a política de preços. O empresário é agora o mais ricos dos ricos em Portugal e estes 13% constituem mais de metade da sua fortuna. O que ganhamos nós?
A posse e gestão privada da energia fóssil levou a fantásticas acumulação de capital, mas também ao conhecido descalabro. Perante este cenário, o que decidem os senhores do poder? Avançar com a predação financeira dos recursos para novas fronteiras. A água é agora a “mercadoria” mais desejável.
Em Portugal, a privatização da água tem caminhado a passos largos, município a município. Esta alienação da água tem sido feita em grande medida a empresas especializadas em actividade vertical, permitindo a constituição de monopólios com controlo rígido sobre o recurso. Sobem os preços e o gestão do recurso fica na esfera económica, onde o lucro é mais interessante que o interesse colectivo e que a sua preservação para gerações futuras.
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