[publicado no Diário de Aveiro, 29 de Dezembro de 2006]
Ainda à volta com o orçamento camarário, volto à questão das receitas na rubrica “Rendas” que na íntegra surgem no documento desta forma:
Habitações -------------- 3.600 €
Edifícios ----------------- 1.000 €
Outros ------------- 46.500.000 €
Posteriormente, o executivo declarou que neste “outros” estão englobadas as receitas provenientes de concessões a privados de vários serviços, cujo rol deverá ser composto pelos Serviços Municipalizados, MoveAveiro, Parque de Exposições, Teatro Aveirense e Empresa Municipal Estádio de Aveiro.
Ora, estas concessões a privados surgem no orçamento para 2007 de forma extemporânea. Não são conhecidos estudos – que não deverão existir – sobre a viabilidade destas concessões e nunca o executivo antes anunciou que seria sua intenção proceder às ditas.
No orçamento, as concessões a privados apenas surgem sob o epíteto de outras rendas, como se 46,5 milhões de euros fosse coisa pouca e como se o assunto não fosse digno de relevância política.
Em suma, o executivo quer ver o orçamento aprovado contendo estes 46,5 milhões sem definir bem a sua origem. Não se sabe quantos e quais os serviços a ser concessionados, por que quantia, por que período de tempo, e com que condições para a população utente. A aprovação do orçamento com este item não especificado, sem conhecermos as políticas e intenções para estes sectores é como deixar à consideração do executivo seguir o caminho que muito bem entender momento a momento. Este ponto é agravado pelo facto do executivo desde que tomou posse anunciar ser sua intenção mexer na organização destas empresas municipais, fazendo extinções e fusões. Nada fez a não ser nomear novos administradores para as ditas, e agora já fala em concessiona-las!
Olhando mais de perto para as candidatas verificamos que apenas duas reúnem claras condições para a concessão a privados: os Serviços Municipalizados (água e saneamento) e a MoveAveiro.
A água não é uma mera mercadoria mas antes um recurso limitado e essencial à vida em sociedade e à própria sobrevivência humana. É incompreensível que a gestão deste recurso seja atribuído a privados, cuja lógica é a da busca do lucro máximo e não a procura da salvaguarda do interesse público.
A MoveAveiro é uma empresa que apresenta prejuízo mas que é bastante apetecível aos privados. Os transportes são um sector básico para a estruturação da cidade e para o incremento da qualidade de vida. É necessária e urgente a intermunicipalidade dos transportes públicos contudo, sem nenhuma autarquia a deter um único operador, como pode implementar essa política? E o que nos diz o executivo quanto às rotas necessárias, mas de prejuízo assegurado que a MoveAveiro efectua? Na mão de privados continuará a realiza-las? E à custa de subsídios atribuídos pela autarquia? A que custo? Compensa?
Relativamente ao Parque de Exposições acredito que haja interessados, mas para a Estádio de Aveiro e o Teatro Aveirense as minhas dúvidas são quase certezas.
Concessionar o Teatro Aveirense Empresa Municipal a privados? Sem sequer avisar, quanto mais consultar os administradores, directores e técnicos do Aveirense? Estes foram apanhados de surpresa com o anúncio quando já tem a época de espectáculos para 2007 planeada e com concursos a subsídios enquanto entidade municipal. Outra questão é a da viabilidade económica. O papel da Teatro Aveirense Limitada, que o executivo anunciou que irá dissolver, também não é claro após a eventual privatização da TEMA. A este assunto voltaremos mais aprofundadamente no futuro.
A concessão da Estádio Municipal seria uma excelente medida, a não ser que o fosse à custa de subsídios. Mas quem quer ficar com um Estádio monodesportivo que nem sequer é adequado ao clube que o usa, e que dá um prejuízo de cerca de um milhão de euros ao ano? Aquando da sua construção poderia ter sido incluído na Parque Desportivo de Aveiro, entretanto privatizada em parte. Os lucros da PDA sustentariam o Estádio e a própria PDA continuaria bastante lucrativa e bem apetecível a privados.
A Câmara Municipal deseja ceder, em troca de compensações financeiras, a exploração destes serviços. Claro que é tudo absolutamente legal, mas questionamos politicamente essa opção. Mas, se a curto prazo o encaixe financeiro possa parecer bastante aprazível, a longo prazo a autarquia vê-se necessariamente na ausência das receitas provenientes da exploração desses serviços e sem o controle sobre os mesmos. O aumento das tarifas, a deterioração dos serviços e a sua redução ao estritamente rentável são cenários bastantes realistas para os cidadãos. E é claro que, se os privados ambicionam a compra destes serviços é porque sabem que as receitas que daí advém são bastante compensatórias.