[publicado no Diário de Aveiro, 14 de Dezembro de 2007]
A ASAE e a sua actuação é já assunto recorrente em conversas. Vários são os dias em que, armados com um batalhão de jornalistas, passa-montanhas e caçadeiras, nos entram pela televisão adentro. Facilmente se tornaram numa entidade indesejável, mas parece um caso em que se toma o mensageiro pelo remetente.
Em relação à ASAE e à sua actuação interessa-me colocar duas questões. A primeira é se a sua actuação se pauta pela igualdade de tratamento. As suas investidas a “alvos fáceis”, como feiras, restaurantes chineses, vendedores ambulantes de bolas de berlim, produtores artesanais de aguardente de medronho, e a outro tipo de comércio ou produção artesanal são frequentes e altamente mediatizadas. Porém, nunca assisti ao mesmo afinco mediático quando vão inspeccionar os poderosos centros de produção e consumo ligados a grandes grupos económicos. Ignoro portanto se é frequente sua ida a centros comerciais, aos seus restaurantes e centros de produção, e se ao fazê-lo levam passa-montanhas e caçadeiras.
A segunda questão é se a legislação e normas que a ASAE fiscaliza influenciam apenas aspectos relacionados com a higiene e a segurança. A maior parte destas normas são transcritas directamente da União Europeia, sem nunca terem passado por programas eleitorais universalmente sufragados. É um dos reflexos da burocracia europeia, medidas técnicas como se a técnica fosse ideologicamente neutra.
As normas implementadas podem servir o objectivo da higiene e segurança, mas a forma como é regulamentado caminha sempre na mesma direcção. O uso do galheteiro nos restaurantes foi proibido, como se, por si só, o galheteiro constituísse um perigo para saúde pública. É evidente que os riscos estão na prática associada ao seu uso (lavagem, tempo de permanência do azeite, etc.). Havia portanto vários caminhos legislativos possíveis, mas a opção foi pela exigência de saquinhos individuais de plástico ou de uma garrafa descartável e inviolável.
Ora, as consequências desta norma não se fazem sentir somente na esfera da higiene e segurança. Altera profundamente o modelo de produção, retirando os pequenos produtores do mercado pela incapacidade que têm em cumprir as regras. O capitalismo protege-se a si próprio. Para além de reservar o acesso ao mercado a grandes produtores/distribuidores, a norma cria ainda novos nichos de mercado, nomeadamente na produção das saquetas plásticas para a indústria de polímeros e de pigmentos, e cria a necessidade bem remunerada de recolha e tratamento do lixo produzido. O capitalismo alimenta-se a si próprio.
O capitalismo auto-justifica-se, mas o que ganha o cidadão? Ganha a possibilidade de consumir alimentos ricos em conservantes, corantes, edulcorantes, aromatizantes e outras coisas apetitosas, transportados e conservados com um pesado regime energético, ao mesmo tempo que lhe é restringindo o acesso a alimentos de produção mais artesanal e que poderiam ser certificados.
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