A minha posição sobre a celebração do acordo com o PS
foi publicada na altura. O acordo, independentemente de juízos de valor, estipulava seis pontos de convergência política, reservando total liberdade de voto e consciência crítica às restantes áreas da governação. O acordo assentava assim em ideias e não na negociação de lugares como é típico na partilha de poder.
Desde o início, e pessoalmente, fui contra a celebração do acordo com o PS, já que as políticas de António Costa no governo demonstravam que nada o aproximava das políticas defendidas pelo Bloco de Esquerda. Aliás, a lei das finanças locais da sua autoria é bem elucidativa disso mesmo ao dar uma maior preponderância à especulação imobiliária. Ainda assim, e voltando à minha perspectiva pessoal, o acordo político entretanto assumido era para cumprir.
Após o acordo a música foi outra. A minha análise falhou, previa que o acordo falharia de facto, mas pelos entraves criados pelo PS ao avanço de várias das políticas, nomeadamente a nível imobiliário. Porém, nem foi preciso chegar aí, o acordo falhou logo na sua execução pelo Vereador Sá Fernandes.
Reconheça-se que houve avanços, tendo a maior vitória sido a integração dos falsos recibos verdes no quadro camarário. Contudo, progressivamente o Vereador foi-se afastando do programa eleitoral pelo qual foi eleito e do próprio acordo BE-Sá-PS. Pelo meio, o Vereador deixou de dialogar ou sequer de comunicar com as estruturas do Bloco de Esquerda e da sua própria candidatura autárquica.
José Sá Fernandes recusou-se várias vezes a levar às reuniões de Câmara as propostas do seu próprio programa eleitoral e do acordo BE-Sá-PS e, quando essas propostas surgiram, votou de forma contrária. Um dos vários exemplos tipo: o acordo previa a fusão das duas empresas municipais de habitação (uma trata das casas dos ricos, a outra dos pobres). Sá Fernandes faltou à reunião com o BE por motivos pessoais, e votou favoravelmente a alteração dos estatutos da EPUL, ao invés de defender a sua fusão com a Gerbalis.
Como se os repetidos votos seguidistas não chegassem, José Sá Fernandes transformou-se na caricatura de quem chega ao poder, não o muda e acaba mudado. Transformou-se na tropa de choque de António Costa, colocando todo seu o capital construído na luta pela transparência e contra a corrupção ao seu dispor. Sem qualquer justificação, o Vereador aparece solidariamente na conferência de imprensa da Vereador Ana Sara Brito envolviva no caso das casas camarárias com "rendas de favor".
Nem todas as praças são floridas. António Costa, inteligentemente passou a proteger-se na aura de transparência de Sá Fernandes. O Vereador prestou-se ao frete. Sá Fernandes não só não exigiu um estudo de impacto ambiental à ampliação do porto de Lisboa, abstendo-se perante a proposta, como ainda foi o rosto no Prós e Contras da defesa desta negociata que atribui milhões à Mota-Engil sem qualquer concurso público. Certamente como reconhecimento dos bons serviços, António Costa ia agora atribuir mais pelouros a Sá Fernandes.
Posto isto e muito mais, a ruptura do BE com o Vereador
[moção; balanço do mandato] - decidida em plenário - nada mais é do que a constatação de facto da realidade. O Bloco considera que o programa eleitoral tem valor contratual com os eleitores, o Vereador não só não o cumpre como age em sentido contrário.
Muitos dirão que o Bloco é um partido irresponsável que apenas quer ser oposição. Bem pelo contrário. É precisamente a responsabilidade assumida para com os eleitores que dita esta decisão, conceito dificil de assimilar para os eleitos que sempre consideraram o programa eleitoral letra morta. É precisamente por o objectivo Bloco ser a transformação da sociedade que não aceita o poder enquanto um fim, mas apenas enquanto um dos meios possíveis e disponíveis para essa transformação. Assim, esta ruptura é o corolário do Bloco enquanto força de poder: o poder para ser mais do mesmo não serve. Só assim é possível transformar a partir do poder, só para isso é que o voto faz falta.